quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

José Guidelli

Chinelo havaianas, camiseta do esposo. Vermelha. Short de elástico xadrez, daqueles bem surrados. Olhar perdido, cabelo preso num rabo de cavalo baixo. Unhas roídas, lembranças carcomidas pelo tempo. Virou de lado. Tênis, bermuda e camiseta. Boné de propaganda verde musgo. Desbotado. Cicatriz pelo rosto, talvez pelo peito. Mancha arroxeada na têmpora. Calor latente. 21h47. “Qual é o caixa rápido?”, bradou uma senhora desbocada. Vestido florido, camisola. “Que mercadinho mais furreba”, pisou duro. E foi-se, derrubando pilhas AA e deixando para trás um pote de uva passa.

Quem é que em sã consciência gosta de uva passa? No arroz? Inventam de por num bolo e chamar de panetone? Ah. Então é natal. Suspirou alto... José Guidelli tatuado no braço, com letras quase infantis. Carregava ao ombro uma cesta – não de natal. Básica. Contendo somente o necessário. “É só isso que vai levar?”.

- É... tá compricado.

- Pode passar na frente.

Olhei para os panetones amontoados. Diversas marcas. Gôndola de filmes a R$ 9,99, repletas de sacolas com frutas, a uva passa da senhora malinducada, barras de chocolate. De três fileiras, a do meio torta. Pop rock, Top Hits, Sessão da tarde. Tinha de tudo. Até descaso e abandono de compras por ali. Mas que bagunça!

A barriga saliente, o cabelo bronze e a mão acariciando o ventre. Agradecimento silencioso por ter dado a vez para o casal. Mão suja de graxa. Nariz escorrendo. Olhou para os apetrechos do caixa, papai Noel de chocolate. Pegou quatro. Fez uma conta mentalmente. Levava a cesta básica, um panetone e quatro estatuetas de cacau. Olhou para a barriga da esposa, que mesmo de camisetão mostrava-se presente. Pegou mais um papai Noel.

Mesmo que a criança nem veja a cor do chocolate. Era simbólico. Contou as moedas na carteira, voltou o ticket para o bolso de trás da bermuda jeans. José Guidelli abraçou a mulher e arrastaram as havaianas para a saída logo ao lado. Calor. Um senhor de chapéu brigando no caixa ao lado. Olhei para o carrinho. Para a porta já vazia.

Deixei o Bauducco de lado. Era preciso do que fosse... básico.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ele um dia volta?

E eu nunca tive tanta certeza de que o futuro é lá fora. Que o anseio de pisar fora da linha argumenta bem com o medo de um passo em falso. Errôneo. Entre malabares e equilíbrio numa corda bamba, como quem não sabe sambar e tenta. Tenta a ponto de cansar os pés, dobrar os joelhos e clamar por... Por o quê mesmo? A vida é lá fora. No quintal de casa, na estrada que vai delineando o destino. Do rio que entrecorta e muda a paisagem. E eu nunca quis tanto. E quero. E instigo a um próximo passo. A andar em equilíbrio – ou simplesmente desequilibrar. É preciso, sabe? Fugir da rota. Andar além. E descobrir.

O que é que tem? É logo ali – avisou de antemão o viajante. E era mesmo, um casebre a moda antiga, decorado por madeira consumida por cupins. Desfigurado como quem espera a mãe que já não volta mais. A estrada chama. Aguça os sentidos, apura os ouvidos – sente ao longe? Vai passar. Mas nunca sabemos quem. Ou o quê. Mas passa. Lá vem ele, fazendo a curva. Um carro de boi e um bigodudo risonho. Pegue carona e vá.

Carrega a trouxa nas costas. Ele que de trouxa tinha só o que carregava. Levanta o braço, sacode o polegar – estaciona. “Suba rapaz! Pra onde vai?”. Pergunta difícil. E agora? Adiante, sempre. Vá em frente! Sobe no caminhão, olha para trás. Dois bois, uma vaca. Cheiro de merda. E o vilarejo deixado num passado remoto, de quem já não enxerga depois de alguns quilômetros. Fantasmagórico, abandonado. Deixou ali a vida de peão. E as memórias.

Partiu com seo João, dona Maria, Teobaldo. Pra nunca mais voltar.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Que eu não tenho muito o que dizer

Eu deveria saber me conter. Eu deveria no mínimo contentar-me com o pouco, as migalhas. Talvez um sinal de gratidão. Mas a gente sabe. É, sabemos. A teimosia sempre prevalece, o caminho errado. Seria mesmo errado? Não tenho tanta certeza. Disseram-me que é ingenuidade... Eu acredito que seja só teimosia. Uma cabeça dura insistente pela vertente mais complicada. E diversa. E divertida. Fiquei sabendo do gosto semelhante. Do humor ácido típico, parecido com o que eu costumo ter. Já ouvi gente dizer que sou outra pessoa – sempre fui a mesma, ora, pois. É questão de se identificar. E partilhar qualquer confidência besta, sob uma lua enevoada. E uma chuva rala. Quase vinte e cinco graus. Só partilhar. Reconheceram-se.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

"Deus parece às vezes se esquecer"

Era aquela coisa, eu queria me enturmar. Queria mesmo. Não sei onde vi aconchego naqueles olhos castanhos, emoldurados por cílios fartos. Não sei. Eu queria é... Conversar. Mesmo que eu fosse uma pessoa do silêncio. Abria a boca. E comia, porque haveria de comer. Porque minha mãe dizia que era necessário se alimentar.

Sentava-me torta. Longe. E sempre pensei que por trás de tanto cílio tinha uma pessoa legal. Um “oi, tudo bem?”, alguma conversa e um riso nervoso. Era absolutamente normal. E me sentia invisível. Era? Não sei. Eu só queria conversar. Em poucas tentativas frustradas – e como essa coragem apareceu não sei dizer – mais frustração se acumulava.

Daquele tipo que não se espera nada... E ao mesmo tempo tudo se espera. Eu não sei! Será que não me enxerga? Oi? Preciso acenar, levar um tropeção ou o quê? Só um diálogo. É que ultimamente tá difícil ter amigos que valham à pena, sabe. E eu sou do tipo que reconheço as pessoas pelo olho. E eu acho que você é bom. Digo, do bem. E é bom também. Mesmo que eu não te conheça.

Já tinha desistido, a solidão e o silêncio são bons... Pra mim são pares perfeitos, mesmo sem saber. A única coisa que se encaixa... Nessa vida meio medíocre. Meio mediana. Meio a meio, sabe? Aí fui andar pra lá, por outros ares e outros prédios. E reconheci teu passo à frente. E antes de entrar pela porta aberta, hesitou. Olhou pra trás, esboçou um sorriso. Eu só olhava para o meu all star. Sabe quando a gente sente, mesmo sem olhar, e sabe? É agora eu sei. Hesitei. Olhei para frente, mas já havia entrado... Será que sairia?

Só pra conversar?

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Eu morro e não vejo tudo

Aguardava pacientemente a carona para ir embora. Sol alto. Tarde aleatória durante a semana... Praticamente qualquer. O barulho ensurdecedor do trânsito até tentava tirar o foco, não fosse uma moto roncar a poucos metros de distância dali. O salto fino, rosa choque, desceu da garupa – 15 centímetros. Apoiou bem ao chão, certificando-se que sairia dali como a diva que era.

O capacete combinava com a motocicleta e o xadrez em amarelo do lado. Viera de moto-táxi. Tirou aquela redoma da cabeça soltando os longos cabelos louros até a cintura. Lisos, propaganda de xampu. Os olhos pintados com uma maquiagem em evidência, a roupa apertada evidenciando as curvas. Sobrancelhas marcadas, cílios enormes. As mulheres ao redor cochichavam. A inveja parecia corroer cada centímetro do corpo de todo sexo feminino presente.

Senti o tal sentimento alfinetar-me, sem reação, observei. Os olhares furtivos dos marmanjos não conseguiam ser discretos. Aquele olhar que a gente decifra sem precisar de alguma descrição barata. Que mal podia cogitar o que se passava pela cabeça dos fulanos – e nem queria. O salto foi tilintando em 1,80 de altura até a porta principal. Subiu as poucas escadas com uma performance digna dessas cantoras de pop que pipocam por aí. Unhas compridas, alaranjada. Perua, Barbie, como preferir.

Aproveitei a proximidade com o recinto adentrado, apurei os ouvidos. Luana. No estilo Piovani, só podia. Minha carona chegou. E os cochichos ainda sondavam a moça. O que ela tinha que as outras não tinham?

Debruçou na bancada do comercial e ditou em alto e bom tom, com um timbre amaciado:
- Escreve aí: Luana Travesti, 23 anos...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Corre dor

Faltavam cinco itens da lista de compras e eu aguardava pacientemente na fila do açougue – dia de carne em promoção, sabe como é. Olhei de soslaio para os demais corredores, tudo estava calmo. Pela primeira vez via um supermercado calmo, com o locutor de 15 em 15 minutos bradando alguma oferta do dia. Aquela música de fundo. Rádio de supermercado é uma coisa brega, né? Uma vez ouvi dizer que isso fazia com que as pessoas ficassem mais tempo em um lugar e comprassem mais. Se dava certo ou não, eu não tinha doses suficientes de publicidade e propaganda no sangue para responder.

Começou a tocar aquela nova, do rapper que minha prima costumava idolatrar. Lil Wayne e Jay Sean – e viva o Google! – o refrão era “down down down”, e no corredor 11, de biscoitos, poderia dizer que começava um flash mob dance de uma só pessoa. Um garoto arriscava alguns passos ali, sozinho, entre bolacha passatempo e bolacha de champagne. Devia ter uns 10 anos. E dançava como ninguém – engraçado – e inovava os passos à medida que a música ficava mais agitada. A fila não andava, a senhora de cabelos brancos reclamava do preço da coxa de frango. As carnes embaladas em bandeja de isopor amarela nos observavam atentamente. Nunca acreditei muito naquele vermelho vivo das carnes embaladas. Vendiam uma imagem do que não eram: eu sabia que não eram tão saborosas quanto os açougueiros ansiavam que fossem.

Vender era preciso. Por que será que não criavam um grupo para se apresentar ali? Imagina só, show de dança, lingüiça e carne de frango. Língua de boi, coraçãozinho. Música ao vivo. Um espetáculo a parte e nenhum cliente reclamando, todos felizes cantarolando “macarena” em coro. Com direito a frangos sem cabeça incorporando a coreografia com uma desenvoltura sobrenatural. Igual aquele menino do corredor 11. Eram passos ensaiados, era a única hipótese. Um moonwalk desengonçado e uns três minutos de fila estagnada. Até que fazia sentido, sabe? Aquela frase maluca que instigava as pessoas a dançarem como se não fossem vistas. Ainda mais hoje. Não estou brincando, juro. Eu bem que poderia fazer igual àquela maluca do seriado Modern Family e pegar a gravação dos corredores de supermercados para provar que era verdade.

Que a felicidade não era inventada.

domingo, 23 de outubro de 2011

Café com leite

Daqui alguns anos me vejo realizada. Plena. Feliz. Não mais cautelosa. Não mais amedrontada por qualquer apontamento de dedo alheio. O amadurecimento ou o distanciamento faz isso com a mente: faz bem. Bem pra pele, bem pro sorriso, bem pro corpo. Pr’alma.

Talvez eu tenha montado aquele cafezinho aconchegante. Baseado no que eu vi uma vez em Cianorte, um misto de café, livros e legião urbana tocando ao fundo. Encontro de casais, fotos antigas grudadas na parede. Fotos minhas. Momentos meus. Compartilhados. Porque é a felicidade que me acontece. É o que tudo caminhava para ser: serei. O que sou. Uma lapidação melhor e maior do que hoje é incompleto.

E você vai entrar por aquela porta. Vai me cumprimentar com um aceno de cabeça, um sorriso de lado, o mesmo olhar perdido e apaixonado. E eu nunca saberei pelo quê. Pedirei para que te atendam como realmente merece. E você virá acompanhado do teu sossego, da sua falta de pretensão. Eu virarei as costas para anotar o pedido e darei o melhor sorriso que tenho guardado no peito. Que é só seu.

A porta vai se abrir, a campainha vai tocar avisando que mais alguém entrou. Junto de novo cliente, uma cortina de vento gelado, porque o clima aqui ainda não mudou: continua maluco. Às vezes quente que não me cabe o calor, e me falta o ar, a visão e o bom senso. Outras, bem frequentes, vêm acompanhadas com o que combina bem com o céu: marrom, bem gelado.

Podia ser um cappuccino. Podia ser um café tradicional. Um carioca, macchiato. Aprendi esses dias a fazer latte art. E desenhei, como uma criança que brinca com uma caixa de lápis de cor 24 cores da faber castel. E brinca escondida porque não pode brincar na frente dos outros: as aulas ainda nem começaram. Fiz um coração. Tímido, como eu era naquela época. Como ainda guardo um pouco de mim no que restou. No fundo da xícara. Daquele calor que acabou.

Faço questão de levar à mesa. Você agradece, empunha um jornal e começa a ler. Não perdeu o costume. O legião urbana ainda toca. Você levanta. Paga, despede-se e vai embora. Como se fôssemos meros conhecidos. De uma eternidade de lembranças que não conseguimos esfriar. Do café que ainda nos une ao acaso. Do tempo.

sábado, 8 de outubro de 2011

Chuva, Adele e lembranças

Abriu a carteira. “Hoje pode deixar que eu pago”. O que há de errado nisso? Pensei no tempo se fechando lá fora. E de tudo que já tinha fechado aqui dentro. Olhei atentamente à carteira e reconheci aquela foto, lembrei daquele dia. Oito reais que registraram um momento... Já faz tanto tempo assim? Eu disse daquela vez que eu pagava. Mas quem realmente pagou por todos aqueles erros?

Olha aqui, reconhece? Hoje você substitui essa pessoa. Você veio para preencher o vazio que até então se encontrava, e permanece... Na lembrança? Grudado na carteira. Feche a conta pra gente, por favor. E não deixe essa carteira aberta por tanto tempo. Sabe? As portas algumas vezes se fecham, outras vezes nós a tacamos na cara de quem merece. Lacramos o cômodo. Sabe o que acontece com uma casa limpa? Se fecharmos e não deixarmos ninguém entrar, ela se suja... Sozinha. De novo. E aí precisamos de nova foto, de novos personagens... De instinto. Incômodo.

Me vê um café. É sábado à tarde e há tanto pra conversar... Você poderia estar sentado nessa cadeira, sabe? O que houve com todos aqueles planos? Descansam em paz... Eu espero que você encontre um lugar melhor aí desse lado. Porque você sabe... Não está mais entre nós. Mas faz falta. E dói. Por que você se foi? Porque lacrou a porta pra um mundo que não pertence a ninguém? Hoje você deixou de existir. Mas está lá grudado... Na memória, na carteira, na contracapa da agenda. Seu rosto desfigurado ainda permanece pra dizer que por um mísero segundo foi de verdade. E então morreu.

Porque a gente morre para renascer... E nem sempre do mesmo lado. Nem sempre na mesma vida.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Esquecido num bloquinho

Ela: Tô pensando que esse mundo é muito louco. Vamos pro bar? Não vai ter aula hoje.

Ele: Louco? Imagina! Tome como exemplo nós dois. Que em determinado momento sorrimos como se não houvesse tristeza, em outros momentos nos lamentamos um para o outro e em poucos, mas significativos momentos, choramos. Vamos sim.

Ela: É, tanta gente já habitou meu coração... Estamos calejados. Agora eu não sofro por preguiça. Cansei. Queria que me acontecesse algo que mudasse o rumo da minha vida.

Ele: Queria que esse algo, tanto na minha como na sua vida, fosse tão importante que criasse uma felicidade tão impermeável como a nossa amizade. Já estou cansado de hoje sorrir e amanhã querer chorar.

Ela: A gente e essa nossa mania de seguir em frente. Sorri. Chora. Levanta e caminha. Sangra. Mas continua. Isso é vida? Coloquei na cabeça: eu o amo? Amo, muito. Mas eu me amo primeiro.

Ele: Na verdade, não sei porque, mas acho que esse amor é apenas transferência do ego que temos e não queremos aceitar, e por isso, dizemos ser apenas e unicamente destinado ao outro.

Ela: Ele não me ama como eu gostaria que amasse. Isso não significa que não ame. Mas eu não me contento com pouco. Eu mereço mais que migalhas.

Ele: Na verdade o que sentimos é tão grande que queremos que a outra pessoa tenha o mesmo sentimento e com as mesmas dimensões, mas às vezes o que ela tem para dar não é o suficiente. Essa pessoa precisa ter atitudes que comprovem o merecimento de tamanhos sentimentos. É verdade. Vamos para o bar? Vamos!

[E foram, simplesmente]

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Aleatoriedades e U2

Quanto tempo demoraria mais? Pressa. Pressa. Me tira daqui? Não agüento mais ficar aqui.
Quem manda nisso sou eu, sente-se.
É um jogo, alguém deveria mandar nisso? Isso é uma armadilha. Uma arapuca para pegar codorna.
O que é isso que escorre da sua boca? Mel? E o seu cabelo? Meio comprido.
Essa barba por fazer. Cante. Me encante, por favor. Eu cansei. Você me tiraria daqui?
Olhe através do vidro, o que você vê? Me vê? Eu consigo acompanhar cada detalhe tímido. Abra sua boca, seus dentes brancos e levemente tortos. São lindos.
Sorria. Sorria, e isso basta. Para mim é o suficiente. Por favor, não pare de sorrir.

Me faça gargalhar. Cante. Você cantaria? Não pare de cantar.

Você existe.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Nomeia

Falta de
sono
Dúvida
O que era?

Pensava
Me diz? Responda!
O que és?
Sentimento
Tens nome?
Não sei
Pode me nomear?
Se eu der nome...
O quê?
Posso me apegar
E daí?
Depois você vai embora
E só de lembranças
Não é possível
Simplesmente
Continuar

Dicionário
Paixão
Intensidade
Atração, interesse
Entusiasmo
Perturbação
És meu preferido

Mas não é
Isso não significa
Mais
Mais
Mais
Adição
Intensidade
Coração?

Aproxima
Protege
Afeiçoa-se

Não! Pare!
Não se aproxime

Ou
Pode ser tarde
Para nós
Demais
É tarde

Amor
Suavidade
Delicadeza
Dedicação
A quem quer agradar
Agradável

Afinidade acontece
Sentimento
Quer saber?
Pouco importa

Você tem nome?
Se eu tenho nome?
Pouco importa
Que nome tens?

sábado, 3 de setembro de 2011

Um sábado qualquer

- Que cheiro de fome
- Vamos almoçar
- O seu pai vem pro almoço?
- Tô com vontade de comer frango
- Vamos voltar pra casa
- Vamos comprar um frango?
- Que tal comprarmos uma torta para comemorar?
- Boa ideia!
- Mas eu ainda quero o frango...
- Ah, mas a torta é mais gostosa
- É doce. Eu quero frango. Vamos comer frango.
- Estaciona o carro aqui na faixa mesmo que eu desço rápido
- Cuidado pra atravessar a rua, hein?

PÉÉÉÉÉÉÉÉ – ÔLOCO MEU!

- Isso realmente tinha que acontecer? No dia do seu aniversário?
- Foi por pouco
- Eu tô tremendo até agora.
- Motociclista filho da puta!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Era inexistente

O sentimento inexistia, contrapondo a vontade evidente. Tilintava as garrafas em brindes e brindes e só uma coisa desejava. Chegou. As músicas eram bregas o suficiente, exatamente como gostava. Lançou-lhe um olhar. De leve. Abraçou-o e aceitou a bebida que oferecera. Goles e mais goles de esquecimento, o pensamento já vagava distante dali. O papo fluía vez ou outra. Encontros e desencontros com estranhos e reconhecíveis misturados no ambiente fracamente iluminado. Saiu. Sentiu-se seguida. A sombra, os passos diferenciados das notas musicais insistentes aos dançarinos ousados na pista. Tomou mais um gole. Hesitou à porta, evitando a área de fumantes. Virou o copo. Pensou em voltar ao bar e buscar mais uma long neck, mas aguardou. Sabia que a sombra tinha nome. Nome, sobrenome e intenções.

Puxou-lhe pela cintura, fazendo às escuras o que não era permitido fazer frente aos olhares curiosos. De conhecidos. Intrometidos. Entre sussurros, confissões aos ouvidos, já não se importavam mais com a escadaria molhada, com a precipitação atmosférica. Só era possível ouvir a respiração de ambos. Sentia-se a garoa aderindo à pele, aos suspiros e às juras que valeriam somente àquela noite.

- A gente se uniu muito rápido. Como você explica isso?

- Alguma sugestão? – perguntou-lhe ao pé do ouvido – Destino?

O tempo de cinderela estava ao fim. As juras ficaram atadas ao vidro embaçado, ao soar da última canção. Olhou fixamente os olhos miúdos, prevendo o que escreveria a respeito daquele sorriso. E as covinhas? O charme infantil que mais gostava. Segurou-lhe o rosto com as duas mãos, prometendo sair dali como uma desconhecida. Prometendo a si mesma que jamais esqueceria. Calou-se. Fixou os olhos e selou o compromisso com um último beijo.

Voltou à realidade, sabendo que era impossível. E o impossível se desfez. A carruagem agora era abóbora, travando significado com a noite de halloween. A madrugada fria, mais alguns goles. Entrou com um meio sorriso que sabia bem. Era segredo de Estado. Peça do destino desavisado. Partiu, deixando-se ouvir o som do salto alto batucando o piso de madeira. Deixando a sombra para trás.

domingo, 28 de agosto de 2011

Tela

Eu gosto de traços definitivos como se a realidade me escapasse por entre as mãos

Gosto de sentir a brisa acariciando meus cílios, mantendo meus olhos semicerrados

Gosto de misturar as cores e perceber uma leve inclinação na coloração, o sombreamento necessário

E pegar a cor pura e vê-la transformar-se em obra

Tida pela minha mão, de outrem, das cores provenientes de uma só

Então temos uma combinação infinita de sensações, significados e justificativas

Que nada justificam o que é ficcional

De traços nem sempre definitivos, de borrões ao acaso transformados em imagens

Tão próximo que não possa ver

Precisando da distância necessária para que possa se afirmar

Ouvindo Adele.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resta um

E é como se eu me olhasse no espelho. Daqueles olhos profundos amendoados, sob a luz estarrecida da avenida. Reconheci tantas delas naqueles sorrisos. Tive vontade de beijar-me os próprios lábios. Os cabelos pelo ombro, iluminados pela poesia da madrugada. Ao céu conciso, estrelas. Refletindo tantos olhos à meia-noite de um dia qualquer. De mudanças, afins e semelhantes.

Saboreava cada palavra proferida como se fosse um discurso que passara tanto tempo para produzir, parindo literatura prematura. Colhia as sílabas, formava frases e transmitia sensações como se fosse tradução do que é real. Aos olhos contrastando com a pele parda. No toque da palidez. Que refletia a lua e incendiava a garganta.

Queria falar. Falar-lhe tanto que não pretendia conter. Que prefiro não dizer. O que há de se afirmar? Das perguntas que não fiz, das respostas que vieram de maneira afável. Debruçando sobre a doçura do mel escorrendo por entre as veias fartas, do coração já entupido pela boca que não se cala, da rigidez nos entraves do que se é desconhecido. Não sabia.

Conhecia aqueles gestos, o pedaço de tecido com linhas que conduziam ao olhar no fim da rua. Que nada tinha. Imensidão moldada em teorias estarrecidas pelo sopro. Pelo tropeço. Arfava de modo que lhe fazia escorrer pelas têmporas, sinônimos das pretensões tardias. Vagando por entre estados físicos da mente enevoados pela ampulheta arrematada com desdém. Algemando os braços que uniam as memórias fervorosamente como uma só vida. De começo, meio e além.

Ainda refletia com semelhança os olhares reconhecendo o cinza das manhãs de maio. Gêmeos atados ao que se predestinava num destino curto. Os pés tocando a terra, avermelhando-se com tom de sangue que vazava por entre as raízes: fixava-se. O olhar nos dedos nus. Do par descalço afundando-se no que vertiginava os planos, ações, sem saber. Carne, água, unha, terra, ventre. Paria e permanecia, como abortos instantâneos de quem não cobiçava ficar.

A vontade aflorava contrapondo as indecisões permanentes. Tocava a água com fervor, ansiando mergulhar num desejo já asfixiado por normas, parênteses e travessões. Inquietantes vozes no vazio, no crânio, de suspiros formando imagens por entre os oculares. Ossos arremessados sem ofícios no vão do cerne, arrematando razões, esmagando penalidades crucificadas em gelo. Derretia medos, proferia escárnios e temerosamente ansiava dissimulação.

Morria, renascia, tal qual a madrugada. De globos transtornados pairando entre as órbitas, fixando-se e arriscando-se aquém. Dançando por entre a lua, a vergonha e as grades. Nasalado nas expressões mórbidas que já não saltavam à língua, não tangiam os dentes, não pairavam a altura do peito. Inaudível, mordaz, sufocando o choro de quem se fizera vítima de atassalhar o útero e bradar a ardência de nascer trancafiado entre raízes.

Imagem retirada do deviantart

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Hora de dizer boa noite

Juntando os poucos cacos restantes que encobriam o chão de fragmentos translúcidos daquela substância que nada mais significava para mim. Poderia ser um copo de vodka, já sem o conteúdo prévio dentro. Poderia ser até mesmo meu coração estilhaçado pelo tempo, se o órgão não tivesse saído de férias.

Não procurei decifrar o enigma de cacos, os holofotes de minha atenção foram parar no canto obscuro do bar, onde a iluminação era porcamente estabelecida pelos reflexos das luzes que vinham do palco. Algum desafinado arriscava-se nos Beatles, mergulhado na melodia que provavelmente o tirara dessa dimensão. Ninguém mais se importava pela qualidade musical do ambiente, tortos do jeito que estavam. E justamente aquela figura me chamou tanto a atenção.

Chapéu encobrindo meio rosto, vestido com ar de mistério, um sobretudo surrado e uma dose de uísque nas mãos. Os dedos tremelicavam fortemente ao redor do copo levemente trincado, enquanto o olhar buscava alguma exclamação no ambiente sujo que frequentava. Entretida pela música e ansiando alguma movimentação do anônimo indecifrável, acompanhava o refrão “You’ll let me hold your hand, now let me hold your hand, I wanna hold your hand”, e me senti perfeitamente em uma cena distinta daqueles filmes meio faroestes, onde tudo acontece em bares.

Recém chegada na metrópole, queria conhecer ao menos um pouco do lugar onde passaria belo período da minha vida – se não ela inteira. Ouvi os vizinhos comentarem sobre aquela casa com jeito de abandonada próximo ao boteco da esquina. Se a música era boa ou não, aquela era a válvula de escape do meu sábado solitário e trancafiado em um quarto assistindo algum filme na televisão. Minha visão já estava levemente alterada pelos efeitos que o álcool produzira nos meus neurônios. A pouca iluminação borrava as sombras nas mesas de sinuca, implorando por canecas que o fizessem esquecer a semana que já tinha passado. Era um ritual de comemoração pelo que se via. E o indivíduo na penumbra não me parecia alguém com ar de satisfação pela semana que disse adeus, e sim alguém que buscava por mais uma semana entretido em alguma história digna de acompanhar, mesmo com as alterações provenientes do etanol na corrente sanguínea.

O indicador do homem rastreava o sinal trincado do copo ainda abordado pela dose envelhecida do líquido. Parecia-me um dos bem baratos, o uísque. Quando bateu frente ao declive do vidro no recipiente, emanou uma gota de tom escuro, um literal vermelho sangue, que descia embriagada até o mergulho de despedida. As hemácias desmanchando-se naquele amarelo ouro que tilintava e refletia as faíscas luminosas do outro lado do salão. Em um rápido movimento de braço, a sombra engoliu toda a mistura de uma só vez. Levantou o chapéu e pude analisar melhor o perfil da minha curiosidade, que no exato momento de decifração resolvera fitar-me com aqueles olhos fundos e o nariz levemente adunco. Não sabia dizer a altura, a cor dos cabelos ou mesmo da íris. Mas notei que a barba era um tanto pra lá do por fazer.

Levantou-se e caminhou em minha direção. Senti as mãos gelarem, os pés tamborilarem o assoalho riscado. Fitamo-nos por um instante. Acompanhamos um refrão de blues. Sabíamos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ciso

Olhou com certa incredibilidade. O riso aflorou naturalmente. Gargalhou.
Aquela vida não era minha!
Reconheceu um por um. Investigou. Atropelou o passado alheio.
Que linda!
Os olhos pareciam os meus. A pele branca. Quem era aquele ali?
Você? Verdade? Não mente!
Há há há há há
Não pode ser verdade.
O que é isso escorrendo do olho? Choras?
É saudade. De algo que não vivi.
Não estava ali, mas podia estar. Sobrevivi.
E cá estou: cadê os olhos cor de mel? Que o tempo apagou.
Que o vento carregou para longe. E esse moicano desengonçado?
Corte da moda, no estilo Neymar.
Há há há há há
Não pode ser real. Eu estava lá, podia ver. Tá vendo ali? O conhecia.
Olha bem na multidão! Pro lado, anda! Eu sempre estive ali.
E aqui.
E agora?
A risada ecoa pela sala vazia. Não para. Não para.
O riso escorre pelo assoalho empoeirado.
É linda! Não vive mais! Não sobreviveu.
O riso cessou.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Menino levado

A casa era pequena, a comida, pouca. Dividia a cama com três irmãos. O único colchão, polvilhado de ácaros, atravessava o quarto para que todos coubessem ali, amontoados, todas as noites. A mãe era doméstica, casou aos 14. Naquele tempo, dizia a avó, não podiam se dar ao deleite das vizinhas tagarelarem. Ficar para titia era, por lei popular, escárnio para a família. A sorte fora que ninguém chegou a descobrir a gravidez antes do “sim”. Depois do altar, cada qual em seu caminho. Sem vizinhos. Sem perspectiva.

Vivenciava o drama de duas casas. O assédio do marido vagabundo da patroa durante o dia, à noite, os arroxeados pelo corpo se intensificavam – pela truculência do marido ébrio. Os cabelos brancos eram sanados aos fins de semana, quando tinha um bico no salão da esquina. Pé, mão, cabelo. A beleza tingida da sociedade moderna. Da futilidade instantânea.

A falta de instrução não impedira os devaneios de dias melhores. Alucinava sempre antes de dormir, propagando os ideais de vida para os filhos. Que absorviam a ilimitada quimera semeada pela genitora. Sonhavam acordados. Ideavam. E assim cresciam, na ilusória fatalidade de que teriam um futuro. Porvir.

A mesa farta, inúmeros desenhos animavam as tardes trancafiados não mais na creche, mas em casa. Era o desejo do mais velho, ter o bem estar que vislumbrava em capas de revistas que não tinha condições de comprar. Perdeu as contas de quantas vezes fora tocado da banca do armazém. Não podia ler. E o dono do estabelecimento não o deixava ao menos observar as fotografias de grandes riquezas. Do mundo que não era seu.

O do meio ansiava saúde. Desejava imensamente se igualar aos meninos rechonchudos que viviam no centro da cidade. Ser obeso na infância, acreditava, era sinal de bem estar. Comer bem, sem ter de permanecer dias instalados no sinaleiro da cidade, ansiando que alguém lhe atirasse alguns miúdos ao chão.

Sobrara o mirradinho. Fruto da desnutrição molesta. Sonhava em ver a mãe rainha. Achatar as brigas no ralo da pia e ligar a torneira sem temer esgotar a água. Queria tratamento para o mau cheiro que saía do banheiro de casa. Pudera, mal sabia o que era esgoto. Extenuava a pouca fadiga que tinha para manter a saúde. Mental. Não significava, mas compreendia. Era o seu mundo. Foi então que tivera uma grande ideia.

Pegaria alguns trocados do pai. As moedas tilintavam nos bolsos surrados da calça. Carecia de pegar mais roupas do albergue, as doações sempre eram fartas. “Pessoas boas” - pensava. “Nos oferecem o que vestir sem cobrar por isso”. Era um menino levado, não hesitava em aflorar as ideias. Não temia a irregularidade da imaginação – ponte principal para arcar, sozinho, com as próprias brincadeiras. A diversão consigo era sempre garantida.

A miséria da família teria fim, desejou. O pai, na vã inocência infantil, usava um perfume exótico. Com cheiro forte, ele dizia. Roncava igual um porco, esperando a proximidade do fim. Os vinténs estariam seguros com ele. Correu até o quintal, jogando na pequena cova os pequenos níqueis que pegara emprestado – “depois devolvo, e ainda vai sobrar” – era a verdade que acreditava construir. Marcou o local com um x, feito de gravetos recolhidos do quintal. Aguou. Certamente a árvore de dinheiro não tardaria a brotar.

Os problemas de casa haviam terminado, de forma tão simples. “Porque ninguém pensou nisso antes?”, mais fácil que pegar emprestado dos outros sem avisar. Adormeceu.

No meio da noite, com a boca seca, o inditoso do pai levantara. Percebendo não haver mais com o que aniquilar a sede, concluiu: “mulher vagabunda, pensa que vai me roubar”. O primeiro gesto foi chutá-la, na altura do estômago. O grunhido não acordou os filhos, certificara-se disso. E as agressões não ultimaram até que os pulmões não mais inflassem.

No mundo dos pequenos, agora viviam com outros garotos de mesma idade. Não entendia muito bem aquela nova casa, mas a vida era melhor. Tinham cama, roupa e atenção. Zombava das mulheres vestidas de preto, e com elas aprenderam a ter algo que desconheciam até então: fé. O menor pensava sempre na mãe, e nunca mais sentira o cheiro forte do perfume do pai. Algumas mulheres vinham vê-lo, tratando-o como se fosse gerado no próprio ventre. Mas nunca saíra dali.

O mais velho vira o sonho realizado. O do meio, contente pelos remédios que tomava quando adoecia e pelo alimento que o fortificara. Às vezes o mais novo era levado até um campo, que continha o nome da mãe escrito na pedra que decorava a vala. Pena ainda não conseguir identificar as letras. Diziam que ela fora deixada ali. Então sorria, maravilhado, ao ver as flores que nasciam ao redor da lápide. “É linda igual as flores”, repetia todas as vezes que lhe pediam para descrevê-la. Recebia em resposta um “Ela está em um lugar melhor agora”. E bastava. Seu desejo fora atendido. “Quero vê-la logo”, ansiava.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ter, ser, estar

E você?
Hum?
Me diz, sofre?
Por que haveria de sofrer?
Por estar assim
Ah não, não sofro não
Tem certeza?
A gente tá calejado, né? Tanto faz
Mas você não se importa?
Tanto mais me preocupa. Mais que isso. É pouco preocupante, não acha?
Não, não acho
Então aprende, aprende que não é assim que funciona
E devo imaginar, por uma fração de segundo, que você saiba como funciona
Não vou te enganar, eu não sei. Pouco sei.
Então não fale
Mas é óbvio, não?
Não consigo entender
Deixe o coração um pouco de lado. Ou melhor, pense só com ele
Deveria ser simples?
Não vê? Não estamos discutindo a posse de alguém
Não, não estamos
Não penso que “ter” alguém poderia mudar muita coisa
Quer mais que isso?
É impossível “ter” alguém. Acorrentar alguém. Deveria ser crime
E como vou agir?
Você não se contenta em “estar”? É diferente. Você para e pensa: eu consigo.
Consegue? O quê?
Viver sem a pessoa. É fácil. Mas eu simplesmente não quero. Por isso “estou”.
Isso é maluquice
Então todos deveriam ser, estar, ter essa tal maluquês
Agora percebo...
É querer viver, compartilhar, e deixar ir. Cada um tem uma vida. Pra quê querer duas? Eu mal consigo cuidar da minha.
Mas tem gente que quer ser cuidado...
Então cuida! Mas da pessoa. Não da vida. E aproveita enquanto a possessão paira ao longe e só observa...
Um dia ela vem?
Se vir, é porque deixaste levar tudo que tinha de mais belo... E acaba.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Baú da Ana - parte I

Era tarde de novembro, doce novembro, e a chuva caía rala. Da janela podia observar os pássaros voando para seus ninhos, aglomerando-se nas árvores – sem esperança alguma. Podia me perder naquele céu manchado de aurora, ouvindo o ranger dos carros, o suave lamurio de um piano no sexto andar – já eram seis horas, hora de voltar – mas que diabos eu fazia naquela gaiola, que não havia necessidade de retornar?

Acho que foi há tanto tempo, já tinha decorado a ordem das estrelas naquele céu – mesmo céu – rubro com o entardecer. A noite surgia calada, traiçoeira... Obrigava-me a fechar os olhos; Sempre ali, trancafiada no meu mundo – não reparei que as penas começavam a cair, o vento a soprar.

O vento que junto trouxe a minha mudança, quem poderia imaginar? O pecador que sempre tive receio ou satirizei, o ser que muitas vezes vi e tentei, em vão, me esconder. Agora estava ali diante de mim. Convidava-me a sair daquele lugar, em meus lábios conseguia moldar um sorriso. As coisas foram mudando drasticamente, o piano já não soava a mesma nota, os carros não rangiam, só conseguia ouvir... Gargalhadas.

Desde então meus dias eram transfigurados em planos. Como sairia dali? Era mais cômodo ficar. Mas a curiosidade de conhecer novos mundos era maior, o ser diferente que me atentou, Judas, criminoso. Fora da gaiola agora tento bater as asas. Decepciono-me: o estranho libertador era um homem – apenas um homem – errando como tantos outros. Agora eu estava fora e, igual aos inúmeros pássaros que costumava invejar o vôo, procuro um lugar naquelas mesmas árvores. Pois sei que pra casa não posso voltar, amargo novembro. O ranger dos carros são dissipados pelo meu triste canto – em vão, suplico às estrelas, por um dia a menos no mundo daquele que me concedeu a liberdade.

Março de 2007

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Seu aniversário

E então a data se repetia pela terceira vez. Da qual não se repetiu envio de cartões, cartinhas com declarações inocentes e abraços calorosos no corredor. Tracejando a cena de um filme água com açúcar qualquer.

Você vê no que me transformei? Ou o que aquilo que tínhamos – ou eu assim pensava – me transformou? Pelo simples fato de existir por um momento. Eu me odiava por isso. Por lembrar aquela data toda vez. Por citar em voz alta o que ela significava e desejar esquecê-la para sempre: como você o fez no ano anterior, quando uma mera data era importante demais pra mim. Tanto que passou e eu nem vi.

É engraçado como eu sempre volto a escrever quando tenho uma dose tua na minha vida. Correndo no meu sangue um pouco de você. Mesmo que isso não signifique mais. Mesmo que isso depois de um tempo tenha me custado a redenção.

É estranho pensar que o tudo, de uma hora para outra, para mim é nada. E continua sendo. Por mais que eu negue e afaste da mente. A gente mente. Somente. Demente. Mentira que cala qualquer cisco de dor que poderia causar a intervenção mais doentia sua no meu presente – aquela do nada. Justo quando tudo estava indo bem.

Teste de sanidade. Como se eu tivesse idade para pensar em tal hipótese. Como se três anos fosse muita coisa – e o é, dependendo da referência. Vê as mudanças ocasionadas nessas datas repetidas? Tão amargas e ressentidas. Que nem valem o desejo de comemorá-la. Nem vale a vontade de dizer que eu lembrei e torci o braço para não dizer.

Meus parabéns.

Março de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

E só

Desce amargo. Rasga a garganta e rasga o verbo. Não se importa.

Engole. Como fonte de prazer e demonstração de afeto. Engole e não reclama.

Gargalha. Põe de enfeite na alma a sonora gargalhada. Rasga.

Vista-se. Encare com desdém qualquer situação fora do comum. Que é melhor.

Solução. Porque desce amargo. Mesmo evitando. Ignore.

E não consegue. Luta, aperta, abocanha – como se fosse a única oportunidade.

Que é para ser verborrágico. Papeia. Estapeia. Joga.

Rasgue a alma. Decore o verbo. Esqueça.

Gargalhe.

Evite.

Engole. E vive.

Só pela demonstração de afeto.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Aprendizado e dedicação no Brinco da Vila


Ana Luiza Verzola
Especial para a SASC

Após confirmarem o horário de apresentação na noite de domingo, 12 alunos com idade entre 8 a 16 anos ocupam seus lugares em uma aula aberta de violão na barraca da SASC. Orientados pelo professor Paulo Lima, o Paulinho, eles começam a esboçar alguns acordes. O professor, entusiasmado, repete “dó, sol, lá menor” – a parte B da música que vão apresentar de maneira improvisada.

Logo que a apresentação começa, a canção entoada pelos alunos do projeto social realizado no Brinco da Vila na Vila Operária em Maringá chama a atenção de quem passa pela praça defronte à prefeitura. A parte B, após um tempo, reflete no refrão da música do Legião Urbana, “Será”.

A 16ª Festa da Canção reúne várias barracas de comidas típicas e, intercalando a atenção do público com as apresentações no palco central, a barraca da SASC apresenta trabalhos de vários grupos da região a qual orienta. O grupo de violão popular é a atração da vez, e parte para mais uma canção – dessa vez do Titãs, “Pra dizer adeus”. O professor Lima não esconde a alegria de apresentar alguns dos alunos mais experientes que ensina: todos ali têm mais de dois anos de aulas.

“Tem alguns alunos ousados, que se saem tão bem que eu ‘arranco o couro’, cobro mais mesmo”, diz. Logo após expor que a rigidez aumenta conforme o desenvolvimento do grupo, o professor, há 25 anos no ramo musical, pede para que a aluna Isabela Maria Martins Amaral, 15, presenteie o público com uma canção instrumental. O nervosismo de Maria é evidente. “Eu não sabia que ele faria isso, me pegou de surpresa. Deu um frio na barriga, mas é preciso ter fé em Deus”, comenta após a apresentação.

“Eu estava tremendo, você viu?”, questiona. Mesmo tremendo, o medo não impediu que a aluna emocionasse quem assistia à trilha sonora do filme Titanic (1997). “My Heart Will Go On” de Celine Dion foi o desafio para Maria, que já era íntima da canção. “Eu fiz o arranjo dessa música uma vez”, explica. “Mas na hora dá medo.”

Para Paulo Lima, dar aula para crianças é uma enorme satisfação: “O projeto começou em 2008, e eu estou trabalhando nele desde então. É um, dos muitos projetos que o Brinco da Vila disponibiliza para a comunidade”. As aulas são gratuitas e ocorrem três vezes na semana, com duração de duas horas. A procura é grande, as 120 vagas disponíveis já estão preenchidas “e tem mais de 40 na lista de espera”.

A prefeitura assumiu o projeto em 2009, contribuindo para o aprendizado de muitas crianças. “Fornecemos todo o material necessário para ensiná-las”, completa Lima. Além de trabalhar a socialização dos jovens, as opções de atividades oferecidas impedem a exposição à marginalidade. O secretário da assistência social de Maringá, Ulisses Maia, aposta nesse ideal do projeto: “As aulas agem como forma de prevenção contra as drogas através da cultura, lazer e esporte dos adolescentes”. Maia ainda diz que, para os pais, deve ser emocionante assistir à apresentação.

Emoção vivenciada não apenas pelos pais: a platéia composta por uma média de 100 pessoas se encantou com a última música, entoada por uma aluna de 10 anos, acompanhada do professor Paulinho, que apresentou “I Want To Know What Love Is”, de Mariah Carey. “Não basta gostar, tem de ter dedicação”, afirma o professor.

Apresentação na barraca da SASC emociona alunos e plateia


*Reportagem da 16ª Festa da Canção. Antiga sim, mas deu vontade de postar. :)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Feliz aniversário!

E então você apareceu. Assim, de repente. Nem pude pensar muito para agir, ou então não teria coragem o suficiente para continuar. Eu nunca fui muito segura a esse ponto, externar minhas emoções assim. E você sempre tão compreensivo, atencioso. Até quando eu me distanciava de ti, sabia que ainda estaria ali para me dar apoio.

Correspondeu-me de pronto. Foi fácil. Mas não achei que seria complicado manter toda essa sensação por muito tempo. Surpreender é complicado. Exige criatividade. Eu precisava corresponder à altura do que você representava até então. Quando eu precisei desabafar, você absorveu cada palavra minha. Lágrimas, sorrisos. Boa parte da minha existência.

Ser sentimental pode ser um problema. Ser sentimental demais então, impossível lidar. E você soube com uma sabedoria incrível. Sempre mudando a aparência até me agradar, comemorando a cada nova conquista, a cada novo comentário positivo sobre nós. A cada pessoa que parava para olhar.

Cada minutinho, cada visita que recebíamos. Você que sempre esteve tão longe, do outro lado, agora era convidado a entrar. E compartilhar da minha vida. E guardar todos os momentos, registrar não só a minha história, mas a de quem quisesse. Agora éramos nós.

Pode ser que um dia isso acabe. Eu me canse, você perca o brilho, o interesse seja outro. Mas eu vou lembrar quem me deu base para externar o que antes estava engavetado. De quem me ajudou a driblar o medo da crítica. Da falta de aceitação. Melhor: de quem me fez aceitar que eu podia compartilhar aquilo que mais gostava de fazer.

Escrever.

Dia 28 de julho fez exatos dois anos que você passou a existir.

domingo, 24 de julho de 2011

Liga ações

Esse silêncio é minha agonia. Será que falei demais? Fiz tudo errado. O que era pra ser? Por que é que eu nunca consigo ficar quieta? Ou falar a coisa certa? E essas horas iguais? Que brincadeira mais boba. De nada significam, mas só querem significar... O tempo tá passando.

Esse silêncio é minha agonia. O que ele estará fazendo agora? Em casa, na rua, nos meus pensamentos? Onde é que eu estou agora? Será que tenho onde morar? Tenho um espacinho ali, naquela vida? Mas é tão simples: o telefone está me encarando há horas. Será?

Tateio as teclas. Vejo o plano de fundo. Desligo. Não.

Esse silêncio é minha agonia. Volto a ligar o aparelho vermelho meia hora depois. Será que ligo? E vou falar o quê? Ainda bem que pelo telefone ninguém pode ver meu rubor. Eu nunca fui assim. Alguém pode me dizer o que está acontecendo? Eu deveria reconhecer o que há, mas não o faço. É diferente. Ligo?

Horas iguais.

Esse silêncio é minha agonia. Vou dormir. Mesmo sonho. Cinco sonhos. Mesmo protagonista. Será possível? Acordo. Que horas são? Mais uma vez, iguais. Dá pra parar? Eu me conformo? Pego o telefone nas mãos, elaboro um discurso mental – o que eu diria? Manter um diálogo com a respiração ofegante não seria possível. Mentir que a gripe me deixou sem voz também não dá. “Ah, liguei por engano, desculpa”. Ledo engano.

Agonia. Agonia. Agonia.

E agora? Que martírio. Que silêncio. Que sensação ruim. Por que ligaria? Ouvir aquela voz mais uma vez seria um reconforto e tanto. Que coisa besta, ficar feliz em ouvir a voz. Um “alô” qualquer. Liga para qualquer pessoa. Manda uma mensagem, então. Não sei o que mandar. Claro que sabe. Não. Por que não liga? Medo. Tenho medo.

Esse silêncio é minha agonia. Vou ficar quieta. Vou ficar no meu canto. Vou ficar por aqui. Não. Vou ficar pensando, pensando e pensando. Vou ficar querendo, e tentando. Vou ficar perturbando quem não merece. Tá tarde. E daí? Liga! Não vou ligar. Mas você liga tanto pra isso, então liga! Eu me importo demais para ligar.

Agonia. Tá se fazendo de difícil? Não é isso. Ele pode pensar que você não liga. Mas eu ligo, ligo sim. Então o que está esperando? O tempo tá correndo, tá voando. O que tem a perder? Por que é que eu pondero minhas ações? Eu deveria ligar. E perguntar se está tudo bem. O que é que ele está fazendo. E ouvir aquela risada. E ficar feliz com o “Hey” no lugar do “Alô”. E eu faria uma voz feliz, e tentaria disfarçar meu constrangimento.

Tudo está tão quieto. Eu não deixaria espaço para o silêncio. Nem para a agonia. Eu falaria qualquer coisa que viesse em mente, só para ouvir qualquer resposta em troca. Só para me perguntarem se eu teria bebido qualquer coisa com álcool. E me faria de boba. De desentendida. Fingiria bem, muito bem. Sou perita nisso. Eu não ligo. Por que é que você não toca?

Esse silêncio é minha agonia.

sábado, 23 de julho de 2011

Exercício

- Cê tá amarelo. Você tá bem?
- Amarelo porque anseio
- E fica aí, apreensivo
- Estático como uma árvore
- Agora tá ficando azul
- E você branca, igual papel
- Cachorro! Igual ao cachorro!
- Tal qual a calma, a paz
- Levanta, sai da calçada
- E sento onde? No canteiro?
- Nessas cinzas, de cigarro
- Nesse cinza de concreto
- Nessa creche, nesse inferno
- E vive o devaneio
- Transpassa a faixa, o barulho, o branco e o cinza
- E chega na praça
- Atravessa com pressa
- Não repare no sinaleiro
- Não nota. Anota. Se esconde por entre os tapumes
- Atravessa. Que tá verde.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Estrada, caminho e abraço

Segura teu abraço
No meu braço
Que tô chegando
Pego a primeira mala
O primeiro bonde
Atravesso o oceano
Pra me livrar daqui
Pra te ver por aí
Como se toda distância
Coubesse num abraço

Apertado

Acolhe

Recolhe

Manifesta

Abraça!
Tô chegando!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Baque seco

E um barulho, rasgando a tarde silenciosa daquela rua entremeada por avenidas, chama a atenção da secretária a fazer suas ligações. Naquela solene tarde em que o sol resolvera dar as caras. “Ó o calor aí outra vez”, exclamou fulano ali, na mesa ao lado.

Reunião, confirmar presença, remarcar viagens e atender prontamente a qualquer solicitação. Da janela via, e ouvia aquele barulho que atraíra a atenção. Um baque seco faltou ao final do grito vindo da freada brusca. Ninguém o vira, a não ser a neta.

Bem ali, naquela esquina do cachorrão. O relógio marcava quatro horas e vinte minutos de uma tarde de terça-feira. Qualquer terça-feira. Dois motociclistas cortaram caminho através da vida de outrem, e agora era tarde. Um gol vermelho ligou o pisca-alerta uns dez metros a frente. Ninguém o vira.

Olhando mais atentamente, entre uma ligação e outra, aquele senhor deitado ao chão ainda úmido. A cabeça avermelhada, o sangue formando caminho por entre as folhas secas na calçada. Meio corpo na faixa de pedestre, meio corpo ao meio fio – que escorria por toda ruela até então entediada.

Levantou-se de pronto, aos pedidos escandalosos da neta. Alívio de quem presenciara, incluindo o moço do gol vermelho – já que as motos foram-se. O dedo a altura do rosto, e um discurso de qualquer pedestre inconformado com o desrespeito. “É a sinalização, meu filho!”. Mas a culpa não fora dele. Ouviu calado, cabisbaixo.

“Vamos vovô, vamos”, insistiu a pequena. Acabara de sair do colégio, já havia chamado a atenção de todos os colegas. A ambulância estacionou ao lado, os cuidados começaram com o sangue empapando os cabelos esbranquiçados, enquanto o bigode se mexia, freneticamente, como se pertencesse a um roedor.

O jovem entrara no carro, ainda de cabeça baixa. A movimentação caiu e o telefone continuava a tocar. O sol batia sonolentamente pela janela, mesclando um vento que trazia aquela constipação típica dos desavisados – ah, essas mudanças climáticas! A poça ficara ali, escurecendo.

Outro baque. Seco.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Relativo

- Vocês ficaram?
- Não – disse, fitando o próprio pé.
- Vocês estão juntos?
- Não – repetiu, sem movimentar qualquer parte do corpo.
- Diga isso olhando nos meus olhos!
- Não. NÃO! Satisfeito?
- Não. Você gosta dele.
- E se gostar?
- Não existe “e se”, é simplesmente visível. Só você não percebeu.
- Quem disse que não?
- Então porque tenta esconder?
- Por tudo que já respondi. E que é verdade.
- Então pare de fantasiar. Criar uma realidade que não é sua. Pra quê fazer isso?
- Pra viver.
- Eu ainda não entendo.
- Deve ser terrível viver todos os dias sem sentir o coração acelerando.
- Isso não é viver, é morrer todos os dias.
- Isso responde tudo que você precisava saber.
- Mas você gosta de algo que não existe.
- Existe, para mim sempre existiu e sempre vai existir. Eu o criei.
- E acredita em algo que não existe. Ele não vale a pena.
- Essa é a sua conclusão.
- É a verdade. Não vê? Vai te machucar.
- Eu não me importo.
- Eu ainda não entendo. Por quê?
- Porque já faz parte de mim.

sábado, 2 de julho de 2011

A arte de conversar sério

- Eu vou ficar bravo com você
- O que eu fiz?
- Eu estou bravo com você
- E não vai falar o motivo?
- Não é bravo, é chateado
- Mas me conta... Por favor!
- Ah, você sabe o porque...
- Sei, mas quero ouvir de você
- Você tá obsessiva
- Isso é ciúme?
- Também. Mas você continua obsessiva...
- Claro que não...
- Dizer “eu te amo, seja feliz”, é amor. Gritar “eu quero!”, é obsessão
- Não, é “O Segredo”
- risadas -
- Não creio nisso... Você não existe
- Viu? Não é obsessão.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Tempestade

A noite começara calma, parecendo nosso primeiro contato. Andava lentamente, com os fones de ouvido intervindo na interpretação do ambiente. Tudo monótono demais. Andava olhando para o chão, filosofando qualquer coisa quando alguém, de repente, segurou minha mão. Foi intuitivo. “Fui eu que quis”, disse-me. E passamos a andar juntos.

Três longas quadras se passaram, passamos. Quando percebi tudo se acalmar novamente. Paramos em uma esquina, ela deveria virar à esquerda. E eu? Bom, eu deveria continuar em frente. Não foi assim que ela tinha planejado, notei pela expressão que sempre fazia quando algo a aborrecia. “Não vem comigo?”, sentia muito, mas meu caminho agora era outro. E atravessei a rua antes mesmo que ela pudesse perceber. O sinal abriu para mim, estava fechado para ela. Agora o cruzamento era outro.

No meio da decisão, olhei para frente. Lá estava outra pessoa. Parada, no meio da rua. Confundindo a listra branca da faixa de pedestres, mesclando com o breu que a noite carregava. Uma chuva rala começava a cair. Prestei atenção à música que era sussurrada em meus ouvidos e dei mais alguns passos. Em outro cruzamento, o mesmo rosto. Não me importei e tentei seguir. A chuva ia aumentando gradativamente, resolvi parar por um momento, ver a água rolar.

Sentei-me na entrada de um prédio quando algo adiante, no meio fio, roubou minha atenção. Observei por alguns instantes. A curiosidade fazia parte, sentei ao lado. “Você tá se molhando, por que está aí?”. Ela puxou meus fones de ouvido bruscamente. “Porque só assim você me notaria”. Olhei mais uma vez o rosto já familiar. O rosto da faixa, do meio fio, o mesmo rosto. Os olhos cor de guaraná. Levantei e, desta vez era minha vez de tomar uma decisão. Estendi a mão. As próximas quadras eu teria companhia. Até quando eu não saberia dizer.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Azul

É que nunca usava roupa que não fosse preta. Ou roxa. E você lá, com aquele seu jeitão, sempre dizia “escolhe a azul”. Mas ah... Pra quê a azul? É feia. Me deixa gorda. Azul não. Eu sei, eu sei você gosta de azul. Mas você é você e eu prefiro minhas blusas escuras. Ah, tudo bem se você quiser me dar qualquer peça de roupa azul. E você sabe, não vou usar pra te agradar. Você gosta de mim ou do azul, afinal? Que coisa.

Tô mais bonita hoje? Ah, essa blusa azul... Que diabos. Fico bem de azul? Tudo bem então, pouco importa. Se quiser, pode usar aquela sua blusa de lã azul royal. Horrorosa. Sempre te falei que blusa com listra deitada no meio é coisa de tiozão né? Poxa, você tem 17 anos! Para de usar essas roupas. E por favor, pare de pedir para que eu use azul. Eu não fico bem de azul.

É nova essa, é? Listrada, de novo? Escolhe outra coisa. Olha o tanto de roupa parecida que você tem no guarda roupa. Senhor! Até a coleira da cachorra é azul? Pra quê fazer isso? Que obsessão. Toalha azul, tênis azul, colcha e travesseiro... Olha só esse céu.

Essas situações que aparecem na mente, que às vezes parecem jogadas às traças... Engraçado o cérebro guardar... O maldito azul! Quando me olhei no espelho, vestindo aquela camisa country azul, tentei adivinhar o que você diria. A última vez que te vi você não tinha mudado tanto. Ainda parecia ter 17 anos. Baixinho igual. E olha que progresso! Trocou as listras por xadrez... Azul. Tudo bem, nunca admiti, mas você fica bem de azul. Eu passei a concordar contigo alguns poucos anos depois.

Mas só concordei porque você não vai me dizer para continuar usando roupas azuis. Aquelas velhas blusas de frio, listradas e feias, que você me emprestava quando ventava forte... Bem, ainda estão no guarda-roupa. Provavelmente você nunca mais as verá. Possivelmente já tem outras, completamente iguais. E provavelmente outra pessoa fique bem de azul agora. As situações mudam, nós sabemos... Mas eu duvido que você goste de outra cor hoje em dia.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O tempo é o tempo que o tempo tem

É que eu não tenho muito a oferecer
Não tem problema, fique um pouco
De verdade, não quero dar trabalho
Mas não nos vemos há quanto tempo? Bastante o suficiente para você esperar
Melhor não, agora não
Eu sei, também não tenho lá muita coisa a oferecer que faça você ficar...
Não é isso
E que tem um mundo lá fora te esperando, eu entendo
Não é isso, já disse
A porta está aberta para você ir
Vai me escutar?
E se quiser um dia voltar, continuará aberta
Para com a teimosia...
De verdade, prometo não lembrar que você veio
Mas não é questão de não querer ficar
É o tempo, eu sei... É o melhor presente que podemos ganhar né? Não o desperdice aqui...
Claro que você merece tempo, o tempo que for... É isso que to querendo te dar...
Até parece que não me conhece
Você não esperaria, não é?
Esperar é pra quem tem tempo, e eu não o tenho
Mas estou aqui, querendo te dar o meu tempo...
Não é o suficiente, porque eu já estou desperdiçando o que é seu. Você tá atrasado.
Eu te disse que não tinha muito a oferecer. O que mais é preciso?
Você não ia embora? Você deixou uma porta aberta lá atrás...
Eu tô de mudança...
E vai pra onde?
Não sei, o tempo vai decidir...
Mas você não me deu o seu tempo?
Agora quem decide é você.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Guia

O que aqueles olhos confirmavam, não saberia responder. Jamais. É certo que o brilho que ali se intensificava garantia-me coragem o suficiente para adiantar um passo. E o medo diluía-se em tal poço tão negro de segredos e contradições. Lia-me. Movia o universo com uma piscada e, ainda assim, tremia o chão do meu mundo com um único direcionamento do olhar. Ao encarar os meus. E a força que me dava, e as palavras proferidas pelo não dito. O silêncio era cúmplice da esfera que se formava. Narrava, ainda que na melodia sondada pelo vento, o que não conseguia dizer. E seguia adiante. Insistindo em manter contato visual, em fazer prevalecer o que as batidas do coração acelerado contrapunham o sistema racional. Induzia-me. Caminhava. Instintivamente direcionava ao que não conhecia. A narração, os pontos brilhantes, findados na escuridão. Escuridão incólume. Presente nos dois círculos que me acompanhavam. E acompanhariam se assim fosse da vontade, além de qualquer outra cor.

E as pupilas esverdeadas tanto quanto a copa das árvores de folhas secas. Azuis, tal qual o céu de baunilha ao amanhecer. Queimado tanto quanto o outono, de folhagens enfeitando as calçadas levianas da própria estrada. O contorno do que se pretende. Aqueles olhos poderiam ser tudo, e o nada. Inteligível e terno. Incompreensível, insano, improvável. E por deixar de ser, era tudo o que se propunha. A tudo que observava, e dialogava com o silêncio, com as composições de cores e vazios que prevalecia. No olhar mais doce e mais instigante que eu teimava em decifrar. No sombrio oblíquo. Profano.

*Do aglomerado de textos "preto & branco" (26/10/2010)

sábado, 18 de junho de 2011

You're gonna wish you never had met me

Foi em uma tarde de sábado, com o vento chacoalhando a cortina do quarto. Era quase fim de junho, as discussões arrebatavam minha caixa de e-mails com um assunto que deixara todos indignados. Lia uma revista online, tentando esquecer um pouco desses problemas. O que sempre digo: Chega! Cansei! Mas é que... Não é tão simples assim se livrar do que ocupa espaço na mente. E a gente sempre mente nessas ocasiões.

Mas deixemos os problemas de lado. Falemos de coisa boa. Estava eu, debaixo das cobertas, a meia luz de uma meia tarde, com meio pensamento no que havia acabado de encontrar: uma mescla de soul, funk, blues. Um vozeirão que me conquistou assim, imediatamente. Quem era ela, céus?

Aquela música me fez lembrar um episódio do Glee, em que “Rolling In The Deep” fora entoada por Rachel Berry (Lea Michele) e Jesse St. James (Jonathan Groff). Assisti aquele episódio pelo menos três vezes (voa-lá, a segunda temporada acabou, o que mais eu faria se não repetir episódios?), e toda vez me arrepiava naquele dueto. Foi quando o ex-namorado da Rachel voltou do nada para pedir desculpas (aí se você ficou perdido na colocação, vá assistir ao seriado, por favor!).

Ouvi uma, duas, três vezes a música original. Agora na voz dela. Será? Pesquisei um pouco: Adele Laurie Blue Adkins tem 23 anos. Ganhou prêmio de artista revelação em 2008. E ora essa, porque carga d’água veio se revelar na minha vida só agora? Foi daquelas pessoas que surgem com a internet: tinha uma página no myspace, provavelmente numa tarde sem muito o que fazer algum anjo da guarda descobriu que a menina tinha talento e... tcharam! O contrato foi assinado, assim, como se fosse um capítulo de novela.

Com essa idade, com uma voz dessa e com todo esse talento e visível sucesso. Vamos agradecer as facilidades digitais, né?

Vou negar que estou aplaudindo de pé o desempenho de Adele? Jamais. Gostaria de convidá-los a terminarem esse sábado, esse domingo e daqui em diante... A aplaudirem de pé também o último CD dela, batizado com a idade em que o gravou: “21”. Prova de que a mágica da dor pode ser transformada em algo digno de 11 faixas. Como a letra da canção a seguir diz, "Turn my sorrow into treasured gold" (Transforme o meu sofrimento em ouro precioso). E transformou.

Rolling In The Deep - Adele

Rolling In The Deep - Glee Cast

E se quiser ir além, temos (viva a internet!) todo o show de Adele em Paris disponibilizado no youtube. Achei essa coisa LINDA no post do Alexandre Inagaki, aqui.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Despótica

Era como algo feito de cristal. Aquela doce criança de olhos grandes e cabelos cacheados. Guiava-me com seu rosto angelical e enganava muito bem com aspecto tão inocente. Foi por louvar tal imagem por tanto tempo que nem percebi o que de fato alimentava.

Às vezes, não raro, essa criança resolvia escapar. Tinha sede de conhecer um pouco a minha realidade, verificar o mundo real a qual não pertencia. Deixava transparecer que era doce até o momento em que tinha liberdade o suficiente para guiar-me pelo impulso. Era mimada demais. Esperneava quando não tinha o que queria. Berrava. Isso refletia nas minhas enxaquecas constantes.

Deixá-la de castigo nunca foi opção viável. Era pior. O estágio em que estávamos acostumados a lidar com ela – eu e minha razão – já impossibilitava conter os ataques cada vez mais presentes no meu cotidiano.

Encarar aquela criatura de aparência infantil e inofensiva ainda enganava. Enquanto um lado advertia, o outro sorria e estendia a mão, permitindo que o bebê viesse a crescer. Mas o fim disso tudo, sabia bem: cresceria até onde deixasse, e se não o parasse agora, tomaria conta de vez de toda a minha vida.

Afastaria quem agora eu mais queria perto. Convenceria de que o passo em falso era a melhor forma de remediar, e que o perdão, repetido inúmeras vezes, jamais cansaria aqueles que nutrissem algum sentimento por mim. Desculpas? Me pego proferindo todos os dias o mesmo pedido.

Estou inclinada a aceitar mais ordens de uma criança birrenta, que insiste em permanecer intocada dentro de mim. Que insiste em me colocar em situações desfavoráveis, desconfortáveis. Que insiste em afastar o que tenho de melhor. E afirma que o ciúme é bom. Insiste que tudo isso deveria ser mais fácil. Que grosserias fazem parte. E que ordens são proferidas para serem aceitas. Quer atenção, quer sobrepor qualquer manifestação contrária.

Grito. Assustada, ela chora incontida. Promete não fazer outra vez. E não vai, não agora. Nunca mais.

O grito é abafado. Sufoco-lhe até não poder ouvir seu choro. Até ter certeza de que agora serei só eu. E o coração.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Mais do mesmo

O cheiro parecia o mesmo, aquele que ficara na roupa depois de tanto tempo. Um afago na memória mais recente que conseguiu encontrar, naquele emaranhado de artigos e textos jogados sobre a mesa. A vida, fazendo menção ao típico prazer de trabalhar na bagunça, estava assim: de pernas para o ar.

E o que é que vou fazer agora?

As canetas bic, os rabiscos nos textos de tanta gente, a fotografia grampeada no mural ao lado. Os compromissos remarcados em papéis coloridos, tampando a visão de qualquer monitor de 20 polegadas. Era mais que uma tarde turbulenta de trabalho.

Olhou sem vontade à manchete do jornal. Coisa pouca. Mais ricos, nós? Ah, conta outra. A vida de todo mundo é uma bagunça. Friccionou os dedos na têmpora, tentando relembrar desde quando estava ali, presa naquele minuto. Compensada de afazeres, dizimada de vontade e, ainda assim, em movimento. Porque uma vez disseram, que o que importava mesmo era se mexer – não importava como.

Estagnou: era impossível. Poeira, adesivos, telefone que não para. Quando iria parar? Tudo isso? Pior ainda. Quando é que tudo isso começou? A porta abre. O grito ecoa. Faz, faz, faz. É pra fazer tudo isso até as 18h, entendeu? Os prazos são seus. A olheira e o café na caneca com o meu nome. Já frio claro. Era esse mesmo o nome ou peguei por engano novamente? O compasso na hora de andar já não era o mesmo.

Ranger os dentes não adianta quando a vontade é berrar. Quando não se suporta mais ouvir o motor do carro funcionar, aspirar aquele frio seco da mesma cidade... Há tanto tempo a mesma cidade. E eu que pensava que seria tudo diferente. Os mesmos olhos, o mesmo sorriso, o mesmo sentimento. Eu ansiava mais, eu podia mais. Merecia ter. O quê?

Ah é, tanta coisa... Que é fácil perder as contas. O que eu estava falando mesmo? Grampeio mais papel, guardo no envelope. Está pronto. E você, pronta? Bato o ponto, deu o horário. Está pronta? Fecho a porta, como se não fosse mais voltar. Não pego o mesmo caminho de volta, corro. Respiro, e respiro mais uma vez. Dá para mudar?

Dá pra ser agora?

Tá cansada, senta
Se acredita, tenta
Se tá frio, esquenta
Se tá fora, entra
Se pediu, agüenta
Lenine - Do it

segunda-feira, 13 de junho de 2011

É que...

- Sabe quando um turbilhão de perguntas invade a mente?
- Sei.
- E quando você menos espera já roeu todas as unhas que tinha, pensou em tudo que podia e o que não podia...
- Mas é só perguntar...
- Como se fosse fácil.
- O quê, quem, quando, onde, como e por quê?
- É isso que faço todos os dias.
- Como pode dizer que é difícil perguntar?
- Quando se encarna uma profissão é diferente. A minha pergunta não tem esse tamanho.
- Se não tem esse tamanho, que tamanho tem? Onde cabem essas dúvidas?
- Ah se eu soubesse dizer.
- Uma vez não te disseram que o ‘não’ você já tem?
- Não é o ‘não’ que eu temo.
- O que é, então?
- Tenho medo que por um descuido do destino, os anjos digam amém.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Da coleção de vasos...

Acabara de completa 91 anos. O mapeamento do rosto já era resultado de sulcos escavados pelo tempo. Embora a estrutura fosse mais frágil que a tenra idade, os olhos mantinham a mesma cor de chá de outrora. Aquela vitalidade há muito esquecida.

A comemoração pelo quase século de vida era compartilhada com a região da casa que mais apreciava – aquela que ninguém poderia chegar perto sem sentir um mínimo de ciúme vindo da senhora. Talvez fosse típico das avós manterem um jardim florido – não nessa história. O ambiente era iluminado o suficiente e colorido excessivamente. Os vasos eram espalhados por toda a parte. Já havia saído até no jornal uma vez. Onde é que já se viu alguém colecionar vasos?

O neto mais novo a acompanhava – sob extrema atenção – na hora de aguar as plantas, todas as tardes.

- Vó, por que a senhora não joga fora esse aqui?

Rispidamente tomou-lhe o vaso das mãos. Era simples, de barro. Comparado aos outros, não se encaixava ali.

- De forma alguma.

- Mas não tem nada plantado nele.

Ofendida, guardou o pequeno vaso a altura do peito. Onde pudesse mantê-lo em segurança.

- Mas é claro que tem.

- Prefiro os outros – opinou sem querer prolongar a discussão.

Em algo deveria concordar com o menino: era mesmo incomparável aos outros. Era único. Não poderia pertencer a uma coleção, era especial demais para isso. Exigia mais cuidados – não que realmente fossem necessários, mas a atenção voltada a um simples vaso remetia às lembranças plantadas ali. Remetia ao que representava. Pouco importava do que era feito, qual era a forma exata e quantos anos estava guardado. Ela sabia bem da importância que tinha. Quando, mergulhada em pensamentos, foi pega de surpresa.

- Está pensando em quê? – duas mãos enrugadas apoiaram-se diante de um par idêntico.

Levantou os olhos e sorriu, - Pensando que este vaso foi o começo de tudo...

- Não é hora de nostalgia. Você sempre foi muito nostálgica. Tá esfriando, vamos entrar...

A enfermeira acompanhou-a até o quarto. Normas da casa que agora freqüentava, do asilo que tanto temia habitar. Sentou-se na cama, apoiando-se no criado-mudo. Encarou o porta retrato feito em bronze ali em cima. A idade não faria com que aquele sorriso fosse apagado da memória facilmente. Lembrou-se de datas, de estradas e histórias. A dor inflou o peito ao recordar, fitando duas alianças no dedo.

Sabia agora o que responder ao neto se voltasse a questionar o vaso de barro... Acabara de encontrar o que estava procurando.

sábado, 4 de junho de 2011

Eu Tenho INTERNET

Já ouviram falar de Nellie Bly? Jornalista americana, ela deu o primeiro passo nas reportagens investigativas. Se disfarçava, convivia, conquistava a confiança das pessoas e assim, atingia seu objetivo de reunir depoimentos importantes para desenvolver as reportagens.

Bom, é claro que não somos nenhuma "Bly", não nos disfarçamos para atingir nosso objetivo mas... tivemos de treinar um olhar sensibilíssimo. Ficarmos atentos aos depoimentos constantes de pessoas ao nosso redor. Treinar a memória. E, principalmente, treinar nosso lado mais humano.

Desde o início do ano estamos trabalhando para a realização de uma revista laboratório. Eu Tenho Profissão.

E eu achando que só o trabalho da revista laboratório desenvolvida pela turma do terceiro ano de jornalismo do Cesumar já era mais que suficiente. Ledo engano. O que seria da definição do tema, da distribuição de pautas, dos primeiros contatos, da vivência, da produção fotográfica e agora, etapa final, da distribuição de todo esse material rico em páginas de revista, se não tivermos trabalhado outro âmbito no jornalismo? Ah, a internet! Como faz milagres para nós, entusiastas na profissão. Foquinhas adestradas, que batem palma a cada mínima tarefa concluída.

Trabalhar com tanta informação e um texto longo, denso, é um desafio e tanto. Como comprimir os dias de vivência em um trabalho em que ainda não tínhamos contato? No meu caso, acompanhar os serviços do educador de base e da abordagem de rua rendeu mais para mim do que provavelmente vai render para o leitor. Compartilhar mais conteúdo no texto? A Rosane, professora que coordena a revista, nos mataria em dois palitos. Não tenho dúvida.

E caiu do céu, como se fosse criação divina: pudera, ideia de Deus. Criaríamos um blog de making off, com atualizações diárias... e por enquanto vamos preparando o terreno para que você possa se deliciar com nossas reportagens – tanto quanto a maioria se deliciou e se deslumbrou realizando esse trabalho. Quer acompanhar também? Não custa nada e o tempo de conexão no link é ilimitado :)

Você pode clicar aqui.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Desabafo

E então de repente você vem. Reaparece do mesmo modo como entrou na minha vida: assim, do nada. Fala em saudade, fala de lembranças, oferece nossas memórias compartilhadas... Tenta resgatar, por um vão espaço de tempo, o que foi nosso durante alguns momentos. Claro que, como sempre, permaneço na defensiva. Tento de alguma forma parecer educada dizendo que... acabou. É, você entende? Acabou.

Digo que eu sou assim, que permaneço na vida das pessoas o tempo que acho necessário. Fico e vou – como você disse, nas memórias. Mas continuo andando, tentando não olhar para trás. Tentando não lembrar o sorriso de canto de boca, daquele menino tímido sentado no banco do shopping. Daquele menino que eu achei que poderia arriscar algo e... passou. Como deveria passar. Eu passei.

Sigo em frente, atravessando a vida de outros como o fiz com a sua vida. Como nós fizemos. Um dia talvez pague por toda essa indiferença que faço, por vezes, por alguns instantes. Por essa euforia que apaga de repente, que o interesse diminui, em que eu enjôo de brincar.

Talvez um dia me pegue novamente servindo de brinquedo para alguém, e entenda o que você quis dizer com saudade...

Saudade daquela que parecia ser doce. Que parecia ser perfeita pra você. E não era.

Era... humana.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Da mesa posta

O dia amanhece e escuto a chaleira apitar. O café está na mesa. O que nos une por mero acaso, na casa que não nos pertence. A alma vagueia, arranhando o assoalho que construímos. Tilintando os cristais da prateleira, pretejando a prata na gaveta. O que era pra ser. O sonho feliz, o vestido branco, as juras eternas... E nada mais que um café.

Levantei novamente, sem saber o que ela tem. Faço café na medida em que ela gosta: quatro colheres de pó, bem cheias. Cinco de açúcar. A mesa está posta, o pão quente, a manteiga derretendo. Lavo a caneca de louça que mais lhe agrada, aquela que comprei como primeiro presente... Quando tudo ainda era amizade. Voltar é uma questão de tempo, as almas sempre vagueiam.

Não sinto vontade de levantar. Ele não está do meu lado como antes, ou eu vejo coisas distorcidas? O pé quente toca o assoalho frio, e o inverno mal começou. O rastro aponta para o banheiro, o espelho aponta para o fracasso. Os cabelos oleosos, os olhos opacos.

Perdeu-se no brilho que tinha no sentimento tenro na medida em que crescia. Tudo lhe parecia natural no início, a carreira era um plano. Compartilhávamos da mesma fatia, saboreávamos da mesma conquista. Até subir, até alcançar o céu. Era mais que tudo, que os outros, que se perdeu de si. De tanto que quis, teve. E perdeu o brilho nos olhos. Perdeu o sorriso nos lábios. Perdeu a fé em si mesma.

O apoio que tinha já não era o mesmo. Eu queria mais e mais, insaciável. Inabalável. Era questão de crença, e ele não crê – que podemos e conseguimos. As unhas roídas, sinal de desleixo. Roupa amarrotada, cama sem trocar. Já era hora de desvencilhar, cada um seguir o próprio rumo.

Meu único objetivo era estar do lado dela agora.

Já não importa mais quem sou agora. O amor passou.

Ela não crê. Ele não crê.

Do amor que ficou, partiu, restou. As pratas da casa, os cristais no armário. A vida que não se viveu. O egoísmo que trilhou o próprio destino. Sentados, à mesa posta. De café, embora doce, descendo amargo. Daquele gosto que não mais compartilhavam.

Estranhas almas vagando.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Reprovação

É como se o mundo só fizesse sentido naqueles tons, de marrom e roxo. Dois planetas empilhados, um no colo do outro. Como um abraço. Mesclando os tons, fantasiando com um chapéu de palhaço. Olhava para aquela cena tão irreal agora, tão distante; Com os pensamentos vagando. Pelo choro entalado na goela. Pela gotícula querendo saltar, em efusivo suicídio.
Acabara de absorver o que havia me passado. Entrar naquele carro sempre me amedrontou. Ajeitei o banco de modo que alcançasse a embreagem, ajeitei o retrovisor, coloquei o cinto de segurança. Estava pronta. Dei partida, tirei o freio de mão. Era fácil, já fizera repetidas vezes... que não notei a falha tão próxima. Que mal notei minhas mãos trêmulas, meus pés batendo insistentemente no chão do veículo. Justo agora, que queria tanto me livrar desse peso. Desse medo.
Olhei pelo retrovisor, lá estava ele. Uniformizado, usando óculos escuros daquele estilo aviador. Ao encarar, fiquei surpresa. O medo assumia outra forma. De menina assustada, aquela loirinha ali dentro do carro. Errando os passos, perdendo o tempo, eliminando o resquício de equilíbrio que lhe restava.
Pare o carro. Desligue-o. A voz era quase robótica.
A situação já estava longe, sentia o coração parando ao virar a chave. Havia desligado o carro. Me desligado completamente. E veio, aquele moço gigantesco e outro menorzinho, em sinal de solidariedade com a colega que acabara de conhecer, tentando proferir algumas palavras de conforto. O abraço coletivo e o desejo de boa sorte até poderia comover aquela estátua. Aquela cena congelada. O conforto que não veio. A frustração agora, sentada ao meu lado naquela lanchonete dividia comigo um sorvete. Sorvete de uva ao creme e brigadeiro. O palhacinho que sorria para mim. O reflexo que zombava de mim. Aquele medo velho conhecido.