sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Eu morro e não vejo tudo

Aguardava pacientemente a carona para ir embora. Sol alto. Tarde aleatória durante a semana... Praticamente qualquer. O barulho ensurdecedor do trânsito até tentava tirar o foco, não fosse uma moto roncar a poucos metros de distância dali. O salto fino, rosa choque, desceu da garupa – 15 centímetros. Apoiou bem ao chão, certificando-se que sairia dali como a diva que era.

O capacete combinava com a motocicleta e o xadrez em amarelo do lado. Viera de moto-táxi. Tirou aquela redoma da cabeça soltando os longos cabelos louros até a cintura. Lisos, propaganda de xampu. Os olhos pintados com uma maquiagem em evidência, a roupa apertada evidenciando as curvas. Sobrancelhas marcadas, cílios enormes. As mulheres ao redor cochichavam. A inveja parecia corroer cada centímetro do corpo de todo sexo feminino presente.

Senti o tal sentimento alfinetar-me, sem reação, observei. Os olhares furtivos dos marmanjos não conseguiam ser discretos. Aquele olhar que a gente decifra sem precisar de alguma descrição barata. Que mal podia cogitar o que se passava pela cabeça dos fulanos – e nem queria. O salto foi tilintando em 1,80 de altura até a porta principal. Subiu as poucas escadas com uma performance digna dessas cantoras de pop que pipocam por aí. Unhas compridas, alaranjada. Perua, Barbie, como preferir.

Aproveitei a proximidade com o recinto adentrado, apurei os ouvidos. Luana. No estilo Piovani, só podia. Minha carona chegou. E os cochichos ainda sondavam a moça. O que ela tinha que as outras não tinham?

Debruçou na bancada do comercial e ditou em alto e bom tom, com um timbre amaciado:
- Escreve aí: Luana Travesti, 23 anos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário