terça-feira, 30 de agosto de 2011

Era inexistente

O sentimento inexistia, contrapondo a vontade evidente. Tilintava as garrafas em brindes e brindes e só uma coisa desejava. Chegou. As músicas eram bregas o suficiente, exatamente como gostava. Lançou-lhe um olhar. De leve. Abraçou-o e aceitou a bebida que oferecera. Goles e mais goles de esquecimento, o pensamento já vagava distante dali. O papo fluía vez ou outra. Encontros e desencontros com estranhos e reconhecíveis misturados no ambiente fracamente iluminado. Saiu. Sentiu-se seguida. A sombra, os passos diferenciados das notas musicais insistentes aos dançarinos ousados na pista. Tomou mais um gole. Hesitou à porta, evitando a área de fumantes. Virou o copo. Pensou em voltar ao bar e buscar mais uma long neck, mas aguardou. Sabia que a sombra tinha nome. Nome, sobrenome e intenções.

Puxou-lhe pela cintura, fazendo às escuras o que não era permitido fazer frente aos olhares curiosos. De conhecidos. Intrometidos. Entre sussurros, confissões aos ouvidos, já não se importavam mais com a escadaria molhada, com a precipitação atmosférica. Só era possível ouvir a respiração de ambos. Sentia-se a garoa aderindo à pele, aos suspiros e às juras que valeriam somente àquela noite.

- A gente se uniu muito rápido. Como você explica isso?

- Alguma sugestão? – perguntou-lhe ao pé do ouvido – Destino?

O tempo de cinderela estava ao fim. As juras ficaram atadas ao vidro embaçado, ao soar da última canção. Olhou fixamente os olhos miúdos, prevendo o que escreveria a respeito daquele sorriso. E as covinhas? O charme infantil que mais gostava. Segurou-lhe o rosto com as duas mãos, prometendo sair dali como uma desconhecida. Prometendo a si mesma que jamais esqueceria. Calou-se. Fixou os olhos e selou o compromisso com um último beijo.

Voltou à realidade, sabendo que era impossível. E o impossível se desfez. A carruagem agora era abóbora, travando significado com a noite de halloween. A madrugada fria, mais alguns goles. Entrou com um meio sorriso que sabia bem. Era segredo de Estado. Peça do destino desavisado. Partiu, deixando-se ouvir o som do salto alto batucando o piso de madeira. Deixando a sombra para trás.

domingo, 28 de agosto de 2011

Tela

Eu gosto de traços definitivos como se a realidade me escapasse por entre as mãos

Gosto de sentir a brisa acariciando meus cílios, mantendo meus olhos semicerrados

Gosto de misturar as cores e perceber uma leve inclinação na coloração, o sombreamento necessário

E pegar a cor pura e vê-la transformar-se em obra

Tida pela minha mão, de outrem, das cores provenientes de uma só

Então temos uma combinação infinita de sensações, significados e justificativas

Que nada justificam o que é ficcional

De traços nem sempre definitivos, de borrões ao acaso transformados em imagens

Tão próximo que não possa ver

Precisando da distância necessária para que possa se afirmar

Ouvindo Adele.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resta um

E é como se eu me olhasse no espelho. Daqueles olhos profundos amendoados, sob a luz estarrecida da avenida. Reconheci tantas delas naqueles sorrisos. Tive vontade de beijar-me os próprios lábios. Os cabelos pelo ombro, iluminados pela poesia da madrugada. Ao céu conciso, estrelas. Refletindo tantos olhos à meia-noite de um dia qualquer. De mudanças, afins e semelhantes.

Saboreava cada palavra proferida como se fosse um discurso que passara tanto tempo para produzir, parindo literatura prematura. Colhia as sílabas, formava frases e transmitia sensações como se fosse tradução do que é real. Aos olhos contrastando com a pele parda. No toque da palidez. Que refletia a lua e incendiava a garganta.

Queria falar. Falar-lhe tanto que não pretendia conter. Que prefiro não dizer. O que há de se afirmar? Das perguntas que não fiz, das respostas que vieram de maneira afável. Debruçando sobre a doçura do mel escorrendo por entre as veias fartas, do coração já entupido pela boca que não se cala, da rigidez nos entraves do que se é desconhecido. Não sabia.

Conhecia aqueles gestos, o pedaço de tecido com linhas que conduziam ao olhar no fim da rua. Que nada tinha. Imensidão moldada em teorias estarrecidas pelo sopro. Pelo tropeço. Arfava de modo que lhe fazia escorrer pelas têmporas, sinônimos das pretensões tardias. Vagando por entre estados físicos da mente enevoados pela ampulheta arrematada com desdém. Algemando os braços que uniam as memórias fervorosamente como uma só vida. De começo, meio e além.

Ainda refletia com semelhança os olhares reconhecendo o cinza das manhãs de maio. Gêmeos atados ao que se predestinava num destino curto. Os pés tocando a terra, avermelhando-se com tom de sangue que vazava por entre as raízes: fixava-se. O olhar nos dedos nus. Do par descalço afundando-se no que vertiginava os planos, ações, sem saber. Carne, água, unha, terra, ventre. Paria e permanecia, como abortos instantâneos de quem não cobiçava ficar.

A vontade aflorava contrapondo as indecisões permanentes. Tocava a água com fervor, ansiando mergulhar num desejo já asfixiado por normas, parênteses e travessões. Inquietantes vozes no vazio, no crânio, de suspiros formando imagens por entre os oculares. Ossos arremessados sem ofícios no vão do cerne, arrematando razões, esmagando penalidades crucificadas em gelo. Derretia medos, proferia escárnios e temerosamente ansiava dissimulação.

Morria, renascia, tal qual a madrugada. De globos transtornados pairando entre as órbitas, fixando-se e arriscando-se aquém. Dançando por entre a lua, a vergonha e as grades. Nasalado nas expressões mórbidas que já não saltavam à língua, não tangiam os dentes, não pairavam a altura do peito. Inaudível, mordaz, sufocando o choro de quem se fizera vítima de atassalhar o útero e bradar a ardência de nascer trancafiado entre raízes.

Imagem retirada do deviantart

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Hora de dizer boa noite

Juntando os poucos cacos restantes que encobriam o chão de fragmentos translúcidos daquela substância que nada mais significava para mim. Poderia ser um copo de vodka, já sem o conteúdo prévio dentro. Poderia ser até mesmo meu coração estilhaçado pelo tempo, se o órgão não tivesse saído de férias.

Não procurei decifrar o enigma de cacos, os holofotes de minha atenção foram parar no canto obscuro do bar, onde a iluminação era porcamente estabelecida pelos reflexos das luzes que vinham do palco. Algum desafinado arriscava-se nos Beatles, mergulhado na melodia que provavelmente o tirara dessa dimensão. Ninguém mais se importava pela qualidade musical do ambiente, tortos do jeito que estavam. E justamente aquela figura me chamou tanto a atenção.

Chapéu encobrindo meio rosto, vestido com ar de mistério, um sobretudo surrado e uma dose de uísque nas mãos. Os dedos tremelicavam fortemente ao redor do copo levemente trincado, enquanto o olhar buscava alguma exclamação no ambiente sujo que frequentava. Entretida pela música e ansiando alguma movimentação do anônimo indecifrável, acompanhava o refrão “You’ll let me hold your hand, now let me hold your hand, I wanna hold your hand”, e me senti perfeitamente em uma cena distinta daqueles filmes meio faroestes, onde tudo acontece em bares.

Recém chegada na metrópole, queria conhecer ao menos um pouco do lugar onde passaria belo período da minha vida – se não ela inteira. Ouvi os vizinhos comentarem sobre aquela casa com jeito de abandonada próximo ao boteco da esquina. Se a música era boa ou não, aquela era a válvula de escape do meu sábado solitário e trancafiado em um quarto assistindo algum filme na televisão. Minha visão já estava levemente alterada pelos efeitos que o álcool produzira nos meus neurônios. A pouca iluminação borrava as sombras nas mesas de sinuca, implorando por canecas que o fizessem esquecer a semana que já tinha passado. Era um ritual de comemoração pelo que se via. E o indivíduo na penumbra não me parecia alguém com ar de satisfação pela semana que disse adeus, e sim alguém que buscava por mais uma semana entretido em alguma história digna de acompanhar, mesmo com as alterações provenientes do etanol na corrente sanguínea.

O indicador do homem rastreava o sinal trincado do copo ainda abordado pela dose envelhecida do líquido. Parecia-me um dos bem baratos, o uísque. Quando bateu frente ao declive do vidro no recipiente, emanou uma gota de tom escuro, um literal vermelho sangue, que descia embriagada até o mergulho de despedida. As hemácias desmanchando-se naquele amarelo ouro que tilintava e refletia as faíscas luminosas do outro lado do salão. Em um rápido movimento de braço, a sombra engoliu toda a mistura de uma só vez. Levantou o chapéu e pude analisar melhor o perfil da minha curiosidade, que no exato momento de decifração resolvera fitar-me com aqueles olhos fundos e o nariz levemente adunco. Não sabia dizer a altura, a cor dos cabelos ou mesmo da íris. Mas notei que a barba era um tanto pra lá do por fazer.

Levantou-se e caminhou em minha direção. Senti as mãos gelarem, os pés tamborilarem o assoalho riscado. Fitamo-nos por um instante. Acompanhamos um refrão de blues. Sabíamos.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ciso

Olhou com certa incredibilidade. O riso aflorou naturalmente. Gargalhou.
Aquela vida não era minha!
Reconheceu um por um. Investigou. Atropelou o passado alheio.
Que linda!
Os olhos pareciam os meus. A pele branca. Quem era aquele ali?
Você? Verdade? Não mente!
Há há há há há
Não pode ser verdade.
O que é isso escorrendo do olho? Choras?
É saudade. De algo que não vivi.
Não estava ali, mas podia estar. Sobrevivi.
E cá estou: cadê os olhos cor de mel? Que o tempo apagou.
Que o vento carregou para longe. E esse moicano desengonçado?
Corte da moda, no estilo Neymar.
Há há há há há
Não pode ser real. Eu estava lá, podia ver. Tá vendo ali? O conhecia.
Olha bem na multidão! Pro lado, anda! Eu sempre estive ali.
E aqui.
E agora?
A risada ecoa pela sala vazia. Não para. Não para.
O riso escorre pelo assoalho empoeirado.
É linda! Não vive mais! Não sobreviveu.
O riso cessou.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Menino levado

A casa era pequena, a comida, pouca. Dividia a cama com três irmãos. O único colchão, polvilhado de ácaros, atravessava o quarto para que todos coubessem ali, amontoados, todas as noites. A mãe era doméstica, casou aos 14. Naquele tempo, dizia a avó, não podiam se dar ao deleite das vizinhas tagarelarem. Ficar para titia era, por lei popular, escárnio para a família. A sorte fora que ninguém chegou a descobrir a gravidez antes do “sim”. Depois do altar, cada qual em seu caminho. Sem vizinhos. Sem perspectiva.

Vivenciava o drama de duas casas. O assédio do marido vagabundo da patroa durante o dia, à noite, os arroxeados pelo corpo se intensificavam – pela truculência do marido ébrio. Os cabelos brancos eram sanados aos fins de semana, quando tinha um bico no salão da esquina. Pé, mão, cabelo. A beleza tingida da sociedade moderna. Da futilidade instantânea.

A falta de instrução não impedira os devaneios de dias melhores. Alucinava sempre antes de dormir, propagando os ideais de vida para os filhos. Que absorviam a ilimitada quimera semeada pela genitora. Sonhavam acordados. Ideavam. E assim cresciam, na ilusória fatalidade de que teriam um futuro. Porvir.

A mesa farta, inúmeros desenhos animavam as tardes trancafiados não mais na creche, mas em casa. Era o desejo do mais velho, ter o bem estar que vislumbrava em capas de revistas que não tinha condições de comprar. Perdeu as contas de quantas vezes fora tocado da banca do armazém. Não podia ler. E o dono do estabelecimento não o deixava ao menos observar as fotografias de grandes riquezas. Do mundo que não era seu.

O do meio ansiava saúde. Desejava imensamente se igualar aos meninos rechonchudos que viviam no centro da cidade. Ser obeso na infância, acreditava, era sinal de bem estar. Comer bem, sem ter de permanecer dias instalados no sinaleiro da cidade, ansiando que alguém lhe atirasse alguns miúdos ao chão.

Sobrara o mirradinho. Fruto da desnutrição molesta. Sonhava em ver a mãe rainha. Achatar as brigas no ralo da pia e ligar a torneira sem temer esgotar a água. Queria tratamento para o mau cheiro que saía do banheiro de casa. Pudera, mal sabia o que era esgoto. Extenuava a pouca fadiga que tinha para manter a saúde. Mental. Não significava, mas compreendia. Era o seu mundo. Foi então que tivera uma grande ideia.

Pegaria alguns trocados do pai. As moedas tilintavam nos bolsos surrados da calça. Carecia de pegar mais roupas do albergue, as doações sempre eram fartas. “Pessoas boas” - pensava. “Nos oferecem o que vestir sem cobrar por isso”. Era um menino levado, não hesitava em aflorar as ideias. Não temia a irregularidade da imaginação – ponte principal para arcar, sozinho, com as próprias brincadeiras. A diversão consigo era sempre garantida.

A miséria da família teria fim, desejou. O pai, na vã inocência infantil, usava um perfume exótico. Com cheiro forte, ele dizia. Roncava igual um porco, esperando a proximidade do fim. Os vinténs estariam seguros com ele. Correu até o quintal, jogando na pequena cova os pequenos níqueis que pegara emprestado – “depois devolvo, e ainda vai sobrar” – era a verdade que acreditava construir. Marcou o local com um x, feito de gravetos recolhidos do quintal. Aguou. Certamente a árvore de dinheiro não tardaria a brotar.

Os problemas de casa haviam terminado, de forma tão simples. “Porque ninguém pensou nisso antes?”, mais fácil que pegar emprestado dos outros sem avisar. Adormeceu.

No meio da noite, com a boca seca, o inditoso do pai levantara. Percebendo não haver mais com o que aniquilar a sede, concluiu: “mulher vagabunda, pensa que vai me roubar”. O primeiro gesto foi chutá-la, na altura do estômago. O grunhido não acordou os filhos, certificara-se disso. E as agressões não ultimaram até que os pulmões não mais inflassem.

No mundo dos pequenos, agora viviam com outros garotos de mesma idade. Não entendia muito bem aquela nova casa, mas a vida era melhor. Tinham cama, roupa e atenção. Zombava das mulheres vestidas de preto, e com elas aprenderam a ter algo que desconheciam até então: fé. O menor pensava sempre na mãe, e nunca mais sentira o cheiro forte do perfume do pai. Algumas mulheres vinham vê-lo, tratando-o como se fosse gerado no próprio ventre. Mas nunca saíra dali.

O mais velho vira o sonho realizado. O do meio, contente pelos remédios que tomava quando adoecia e pelo alimento que o fortificara. Às vezes o mais novo era levado até um campo, que continha o nome da mãe escrito na pedra que decorava a vala. Pena ainda não conseguir identificar as letras. Diziam que ela fora deixada ali. Então sorria, maravilhado, ao ver as flores que nasciam ao redor da lápide. “É linda igual as flores”, repetia todas as vezes que lhe pediam para descrevê-la. Recebia em resposta um “Ela está em um lugar melhor agora”. E bastava. Seu desejo fora atendido. “Quero vê-la logo”, ansiava.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ter, ser, estar

E você?
Hum?
Me diz, sofre?
Por que haveria de sofrer?
Por estar assim
Ah não, não sofro não
Tem certeza?
A gente tá calejado, né? Tanto faz
Mas você não se importa?
Tanto mais me preocupa. Mais que isso. É pouco preocupante, não acha?
Não, não acho
Então aprende, aprende que não é assim que funciona
E devo imaginar, por uma fração de segundo, que você saiba como funciona
Não vou te enganar, eu não sei. Pouco sei.
Então não fale
Mas é óbvio, não?
Não consigo entender
Deixe o coração um pouco de lado. Ou melhor, pense só com ele
Deveria ser simples?
Não vê? Não estamos discutindo a posse de alguém
Não, não estamos
Não penso que “ter” alguém poderia mudar muita coisa
Quer mais que isso?
É impossível “ter” alguém. Acorrentar alguém. Deveria ser crime
E como vou agir?
Você não se contenta em “estar”? É diferente. Você para e pensa: eu consigo.
Consegue? O quê?
Viver sem a pessoa. É fácil. Mas eu simplesmente não quero. Por isso “estou”.
Isso é maluquice
Então todos deveriam ser, estar, ter essa tal maluquês
Agora percebo...
É querer viver, compartilhar, e deixar ir. Cada um tem uma vida. Pra quê querer duas? Eu mal consigo cuidar da minha.
Mas tem gente que quer ser cuidado...
Então cuida! Mas da pessoa. Não da vida. E aproveita enquanto a possessão paira ao longe e só observa...
Um dia ela vem?
Se vir, é porque deixaste levar tudo que tinha de mais belo... E acaba.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Baú da Ana - parte I

Era tarde de novembro, doce novembro, e a chuva caía rala. Da janela podia observar os pássaros voando para seus ninhos, aglomerando-se nas árvores – sem esperança alguma. Podia me perder naquele céu manchado de aurora, ouvindo o ranger dos carros, o suave lamurio de um piano no sexto andar – já eram seis horas, hora de voltar – mas que diabos eu fazia naquela gaiola, que não havia necessidade de retornar?

Acho que foi há tanto tempo, já tinha decorado a ordem das estrelas naquele céu – mesmo céu – rubro com o entardecer. A noite surgia calada, traiçoeira... Obrigava-me a fechar os olhos; Sempre ali, trancafiada no meu mundo – não reparei que as penas começavam a cair, o vento a soprar.

O vento que junto trouxe a minha mudança, quem poderia imaginar? O pecador que sempre tive receio ou satirizei, o ser que muitas vezes vi e tentei, em vão, me esconder. Agora estava ali diante de mim. Convidava-me a sair daquele lugar, em meus lábios conseguia moldar um sorriso. As coisas foram mudando drasticamente, o piano já não soava a mesma nota, os carros não rangiam, só conseguia ouvir... Gargalhadas.

Desde então meus dias eram transfigurados em planos. Como sairia dali? Era mais cômodo ficar. Mas a curiosidade de conhecer novos mundos era maior, o ser diferente que me atentou, Judas, criminoso. Fora da gaiola agora tento bater as asas. Decepciono-me: o estranho libertador era um homem – apenas um homem – errando como tantos outros. Agora eu estava fora e, igual aos inúmeros pássaros que costumava invejar o vôo, procuro um lugar naquelas mesmas árvores. Pois sei que pra casa não posso voltar, amargo novembro. O ranger dos carros são dissipados pelo meu triste canto – em vão, suplico às estrelas, por um dia a menos no mundo daquele que me concedeu a liberdade.

Março de 2007

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Seu aniversário

E então a data se repetia pela terceira vez. Da qual não se repetiu envio de cartões, cartinhas com declarações inocentes e abraços calorosos no corredor. Tracejando a cena de um filme água com açúcar qualquer.

Você vê no que me transformei? Ou o que aquilo que tínhamos – ou eu assim pensava – me transformou? Pelo simples fato de existir por um momento. Eu me odiava por isso. Por lembrar aquela data toda vez. Por citar em voz alta o que ela significava e desejar esquecê-la para sempre: como você o fez no ano anterior, quando uma mera data era importante demais pra mim. Tanto que passou e eu nem vi.

É engraçado como eu sempre volto a escrever quando tenho uma dose tua na minha vida. Correndo no meu sangue um pouco de você. Mesmo que isso não signifique mais. Mesmo que isso depois de um tempo tenha me custado a redenção.

É estranho pensar que o tudo, de uma hora para outra, para mim é nada. E continua sendo. Por mais que eu negue e afaste da mente. A gente mente. Somente. Demente. Mentira que cala qualquer cisco de dor que poderia causar a intervenção mais doentia sua no meu presente – aquela do nada. Justo quando tudo estava indo bem.

Teste de sanidade. Como se eu tivesse idade para pensar em tal hipótese. Como se três anos fosse muita coisa – e o é, dependendo da referência. Vê as mudanças ocasionadas nessas datas repetidas? Tão amargas e ressentidas. Que nem valem o desejo de comemorá-la. Nem vale a vontade de dizer que eu lembrei e torci o braço para não dizer.

Meus parabéns.

Março de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

E só

Desce amargo. Rasga a garganta e rasga o verbo. Não se importa.

Engole. Como fonte de prazer e demonstração de afeto. Engole e não reclama.

Gargalha. Põe de enfeite na alma a sonora gargalhada. Rasga.

Vista-se. Encare com desdém qualquer situação fora do comum. Que é melhor.

Solução. Porque desce amargo. Mesmo evitando. Ignore.

E não consegue. Luta, aperta, abocanha – como se fosse a única oportunidade.

Que é para ser verborrágico. Papeia. Estapeia. Joga.

Rasgue a alma. Decore o verbo. Esqueça.

Gargalhe.

Evite.

Engole. E vive.

Só pela demonstração de afeto.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Aprendizado e dedicação no Brinco da Vila


Ana Luiza Verzola
Especial para a SASC

Após confirmarem o horário de apresentação na noite de domingo, 12 alunos com idade entre 8 a 16 anos ocupam seus lugares em uma aula aberta de violão na barraca da SASC. Orientados pelo professor Paulo Lima, o Paulinho, eles começam a esboçar alguns acordes. O professor, entusiasmado, repete “dó, sol, lá menor” – a parte B da música que vão apresentar de maneira improvisada.

Logo que a apresentação começa, a canção entoada pelos alunos do projeto social realizado no Brinco da Vila na Vila Operária em Maringá chama a atenção de quem passa pela praça defronte à prefeitura. A parte B, após um tempo, reflete no refrão da música do Legião Urbana, “Será”.

A 16ª Festa da Canção reúne várias barracas de comidas típicas e, intercalando a atenção do público com as apresentações no palco central, a barraca da SASC apresenta trabalhos de vários grupos da região a qual orienta. O grupo de violão popular é a atração da vez, e parte para mais uma canção – dessa vez do Titãs, “Pra dizer adeus”. O professor Lima não esconde a alegria de apresentar alguns dos alunos mais experientes que ensina: todos ali têm mais de dois anos de aulas.

“Tem alguns alunos ousados, que se saem tão bem que eu ‘arranco o couro’, cobro mais mesmo”, diz. Logo após expor que a rigidez aumenta conforme o desenvolvimento do grupo, o professor, há 25 anos no ramo musical, pede para que a aluna Isabela Maria Martins Amaral, 15, presenteie o público com uma canção instrumental. O nervosismo de Maria é evidente. “Eu não sabia que ele faria isso, me pegou de surpresa. Deu um frio na barriga, mas é preciso ter fé em Deus”, comenta após a apresentação.

“Eu estava tremendo, você viu?”, questiona. Mesmo tremendo, o medo não impediu que a aluna emocionasse quem assistia à trilha sonora do filme Titanic (1997). “My Heart Will Go On” de Celine Dion foi o desafio para Maria, que já era íntima da canção. “Eu fiz o arranjo dessa música uma vez”, explica. “Mas na hora dá medo.”

Para Paulo Lima, dar aula para crianças é uma enorme satisfação: “O projeto começou em 2008, e eu estou trabalhando nele desde então. É um, dos muitos projetos que o Brinco da Vila disponibiliza para a comunidade”. As aulas são gratuitas e ocorrem três vezes na semana, com duração de duas horas. A procura é grande, as 120 vagas disponíveis já estão preenchidas “e tem mais de 40 na lista de espera”.

A prefeitura assumiu o projeto em 2009, contribuindo para o aprendizado de muitas crianças. “Fornecemos todo o material necessário para ensiná-las”, completa Lima. Além de trabalhar a socialização dos jovens, as opções de atividades oferecidas impedem a exposição à marginalidade. O secretário da assistência social de Maringá, Ulisses Maia, aposta nesse ideal do projeto: “As aulas agem como forma de prevenção contra as drogas através da cultura, lazer e esporte dos adolescentes”. Maia ainda diz que, para os pais, deve ser emocionante assistir à apresentação.

Emoção vivenciada não apenas pelos pais: a platéia composta por uma média de 100 pessoas se encantou com a última música, entoada por uma aluna de 10 anos, acompanhada do professor Paulinho, que apresentou “I Want To Know What Love Is”, de Mariah Carey. “Não basta gostar, tem de ter dedicação”, afirma o professor.

Apresentação na barraca da SASC emociona alunos e plateia


*Reportagem da 16ª Festa da Canção. Antiga sim, mas deu vontade de postar. :)