sexta-feira, 28 de março de 2014

Da carta que escrevi, mas não mandei

Estava sinceramente apreensiva de te reencontrar depois de tanto tempo. Olhei meio cabisbaixa, temendo o que meus olhos poderiam constatar – seria aquele mesmo olhar daquela noite de julho? Uma luz ofusca a visão. Eis que me deparo com um sorriso que jamais vi naqueles dias. Talvez você se lembre, enquanto eu tentava esquecer, mas os sorrisos ficaram lá. O que eu vejo agora é muito maior. Você conquistou tanto nesses últimos anos, não foi? Deixamos de nos conquistar para que pudéssemos alcançar outras prioridades. Eu estava muito cega para notar o passo em falso que daria em segundos... Que se transformaram em anos. O pé torto, de all star sujo, pisando em locais errados hoje se mostram certos. Ainda bem!

Aí eu conquistei objetivos profissionais, novas amizades, uma viagem dos sonhos, uma carreira que sempre desejei. Você por outro lado também conquistou, e muito. Uma vida nova, pessoas novas, realizações novas. Me orgulho em saber que hoje você está bem – e nunca satisfeito, o que era de se esperar (o que também me motiva a nunca me contentar). Teu semblante está diferente, posso ver. Ainda que acanhada, consigo notar algo de novo na tua fisionomia. Não, não me venha dizer que é o aparelho que você tirou. O sorriso ofusca, mas não é metálico. É algo realmente diferente, mas não com aquele ar de mistério que você costumava carregar. Depois de tanto tempo, a muito custo, você finalmente é transparente. Não mais gélido, mas caloroso. Uma energia que irradia sem qualquer explicação prévia.


Essa nova carga que leva nas entrelinhas talvez seja, depois de tanto tempo, a mesma que carrego agora. Alívio e felicidade. Você pode não concordar, não querer afirmar positivamente, mas uma coisa é certa: ainda que distantes, compartilhamos tanto. E tudo. Erros de igual proporção, tentativas que transbordam e a única certeza de que somos iguais em nossas diferenças gritantes. Eu poderia dizer “descanse em paz”, faria mais sentido depois que gritei aos quatro cantos que você havia morrido para mim. Hoje não. Com o coração leve, só desejo que você viva em paz. E com um pouco de loucura, que é para não fugir do seu padrão.