segunda-feira, 11 de julho de 2011

Baque seco

E um barulho, rasgando a tarde silenciosa daquela rua entremeada por avenidas, chama a atenção da secretária a fazer suas ligações. Naquela solene tarde em que o sol resolvera dar as caras. “Ó o calor aí outra vez”, exclamou fulano ali, na mesa ao lado.

Reunião, confirmar presença, remarcar viagens e atender prontamente a qualquer solicitação. Da janela via, e ouvia aquele barulho que atraíra a atenção. Um baque seco faltou ao final do grito vindo da freada brusca. Ninguém o vira, a não ser a neta.

Bem ali, naquela esquina do cachorrão. O relógio marcava quatro horas e vinte minutos de uma tarde de terça-feira. Qualquer terça-feira. Dois motociclistas cortaram caminho através da vida de outrem, e agora era tarde. Um gol vermelho ligou o pisca-alerta uns dez metros a frente. Ninguém o vira.

Olhando mais atentamente, entre uma ligação e outra, aquele senhor deitado ao chão ainda úmido. A cabeça avermelhada, o sangue formando caminho por entre as folhas secas na calçada. Meio corpo na faixa de pedestre, meio corpo ao meio fio – que escorria por toda ruela até então entediada.

Levantou-se de pronto, aos pedidos escandalosos da neta. Alívio de quem presenciara, incluindo o moço do gol vermelho – já que as motos foram-se. O dedo a altura do rosto, e um discurso de qualquer pedestre inconformado com o desrespeito. “É a sinalização, meu filho!”. Mas a culpa não fora dele. Ouviu calado, cabisbaixo.

“Vamos vovô, vamos”, insistiu a pequena. Acabara de sair do colégio, já havia chamado a atenção de todos os colegas. A ambulância estacionou ao lado, os cuidados começaram com o sangue empapando os cabelos esbranquiçados, enquanto o bigode se mexia, freneticamente, como se pertencesse a um roedor.

O jovem entrara no carro, ainda de cabeça baixa. A movimentação caiu e o telefone continuava a tocar. O sol batia sonolentamente pela janela, mesclando um vento que trazia aquela constipação típica dos desavisados – ah, essas mudanças climáticas! A poça ficara ali, escurecendo.

Outro baque. Seco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário