sexta-feira, 10 de junho de 2011

Da coleção de vasos...

Acabara de completa 91 anos. O mapeamento do rosto já era resultado de sulcos escavados pelo tempo. Embora a estrutura fosse mais frágil que a tenra idade, os olhos mantinham a mesma cor de chá de outrora. Aquela vitalidade há muito esquecida.

A comemoração pelo quase século de vida era compartilhada com a região da casa que mais apreciava – aquela que ninguém poderia chegar perto sem sentir um mínimo de ciúme vindo da senhora. Talvez fosse típico das avós manterem um jardim florido – não nessa história. O ambiente era iluminado o suficiente e colorido excessivamente. Os vasos eram espalhados por toda a parte. Já havia saído até no jornal uma vez. Onde é que já se viu alguém colecionar vasos?

O neto mais novo a acompanhava – sob extrema atenção – na hora de aguar as plantas, todas as tardes.

- Vó, por que a senhora não joga fora esse aqui?

Rispidamente tomou-lhe o vaso das mãos. Era simples, de barro. Comparado aos outros, não se encaixava ali.

- De forma alguma.

- Mas não tem nada plantado nele.

Ofendida, guardou o pequeno vaso a altura do peito. Onde pudesse mantê-lo em segurança.

- Mas é claro que tem.

- Prefiro os outros – opinou sem querer prolongar a discussão.

Em algo deveria concordar com o menino: era mesmo incomparável aos outros. Era único. Não poderia pertencer a uma coleção, era especial demais para isso. Exigia mais cuidados – não que realmente fossem necessários, mas a atenção voltada a um simples vaso remetia às lembranças plantadas ali. Remetia ao que representava. Pouco importava do que era feito, qual era a forma exata e quantos anos estava guardado. Ela sabia bem da importância que tinha. Quando, mergulhada em pensamentos, foi pega de surpresa.

- Está pensando em quê? – duas mãos enrugadas apoiaram-se diante de um par idêntico.

Levantou os olhos e sorriu, - Pensando que este vaso foi o começo de tudo...

- Não é hora de nostalgia. Você sempre foi muito nostálgica. Tá esfriando, vamos entrar...

A enfermeira acompanhou-a até o quarto. Normas da casa que agora freqüentava, do asilo que tanto temia habitar. Sentou-se na cama, apoiando-se no criado-mudo. Encarou o porta retrato feito em bronze ali em cima. A idade não faria com que aquele sorriso fosse apagado da memória facilmente. Lembrou-se de datas, de estradas e histórias. A dor inflou o peito ao recordar, fitando duas alianças no dedo.

Sabia agora o que responder ao neto se voltasse a questionar o vaso de barro... Acabara de encontrar o que estava procurando.

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