segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mi



Fazendo uma criança feliz. Resta decidir se a criança estava na frente da câmera, ou atrás, haha

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Fotógrafo ganha exposição e vira nome de rua

No dia 19 de novembro de 2008, Maringá perdia o estimado fotógrafo Henri Junior. Embora tenha morrido muito novo, com 28 anos, vítima de um tumor cancerígeno no cérebro, deixou um legado de imagens que, até o dia 15 deste mês, poderá ser visto em exposição. O trabalho está exposto na Câmara Municipal de Maringá, e conta com sete imagens feitas pelo fotojornalista, que trabalhou nos principais meios de comunicação impresso da cidade (Jornal do Povo, Hoje Notícias e O Diário do Norte do Paraná). A entrada é gratuita.

Além da mostra fotográfica, o legislativo municipal batizou uma rua no Jardim Três Lagoas com o nome do profissional.

Quem não foi, ainda tem dois dias para ver a exposição.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Combate

O corredor gélido contrastava com o suor escorrendo pelas têmporas. O calor que provinha de fora era latente. “Siga-me”. E o fiz. Obediente, impulsivamente. O corredor era longo e largo, com um bebedouro do lado esquerdo, mais adiante, uma parede de vidro do lado direito. Nada de diferente. Bem mais limpo do que eu imaginava – e calmo. “Agora vamos entrar no Vietnã”, brincou o doutor. Conferi se minha arma estava programada para o ataque. Ataque à (falta de) privacidade dos que permaneciam enfileirados no campo de combate. O uniforme verde não negava a batalha que travavam diariamente para sobreviverem em tal lugar.
Eu nunca esperei ter alguma reação de pânico, falta de ar ou desespero ao me deparar com uma cena daquelas. Para mim, Hitler poderia ligar a câmara de gás que muitos ali agradeceriam. Fui atravessando, atentando-me aos jogados no meio do caminho. Tiroteio, pessoas desfiguradas, desesperançadas. Animais. Um dormia agarrado ao quase-curativo no braço quebrado.
Outro mostrava metade da face arroxeada, maior que o normal. Um olho não abria. E sabe-se Deus se voltaria a abrir um dia. Crianças, idosos, mulheres, não importava. O local era o mesmo, eram vizinhos da desvalorização cotidiana. E ninguém parecia se importar com aquele Vietnã resumido a um corredor.
Apressei os passos, o que via me sufocava. Fui desencorajada, por um instante, de fazer algum uso do meu armamento. Mas acionei o gatilho – parecendo que atirava contra meu próprio peito – alcancei a porta que, antes mesmo que eu tocasse a maçaneta, abriu-se. Os generais transitavam de branco, competiam com os tons fantasmagóricos dos que saíam dali sem vida. Ouvi alguém sair no meu encalço. “Até logo”. “Até logo não, eu espero nunca mais voltar aqui”. Eu também esperava.
Achei que eu tinha uma coragem muito maior do que muitos que conviviam comigo. E me enganei. E me abati com tão pouco, na visão de alguns. Dos que convivem. Era um fluxo muito grande de gente que passava por ali. Que chegavam, saíam, ou não. Achei que nunca haveria de encarar uma guerra. A guerra de uma ala hospitalar. O confronto do atendimento médico oferecido ali. Atendimento público, condições desumanas. O calor que fazia lá fora, agora, parecia menos infernal do que aquele corredor que eu jamais vou esquecer.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Avante!

Qual o tamanho dos seus obstáculos?

terça-feira, 30 de novembro de 2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Thriller movie

Quem nunca foi a uma pré-estreia, que retraia a vontade de mandar o desconhecido ao lado ficar, por um instante, quieto. O popular ‘cala a boca’ - aliás, ouvi bastante esse dizer, que ecoava aos montes na sala 5 super lotada. A cena típica: fila gigantesca, formada pelas mais distintas espécimes humanas – ou próximo disso. Disputa por pipoca e refrigerante. Cá entre nós, não há pipoca igual a do cinema. Um dia hei de descobrir a receita daquela manteiga – seria o prazo de validade vencido? De qualquer forma, a procura pelo milho estourado era absurdamente previsível.
No banheiro, a disputa pelo espelho central que, em vez de ser utilizado para que os usuários averiguassem a própria imagem, refletia garotas fazendo poses e bicos para tirarem fotos com uma câmera cor-de-rosa. “Essa ficou linda, vou por no perfil”, “Amiga! Que maravilhosa... você ficou ga-tís-si-ma!”. Minha vontade era enfiar a cabeça no vaso sanitário e dar descarga. A cabeça delas, claro. Vislumbrei álbuns em redes sociais intitulados “No xóps”, “Antes do cine” ou “Friends 4 ever”. E provavelmente acertei um desses.
Esqueci de comentar a respeito dos espécimes que aguardavam a porteira abrir. Me senti velha. Muito velha. Seria um absurdo a criançada estar fora de casa em plena quinta-feira de madrugada, ou mais absurdo ainda seria uma tia (sim, perto da creche do papai, me senti uma tia) ter comprado bilhete para a pré-estreia? De Harry Potter. E qual o problema em gostar de histórias fantasiosas e querer assistir ao filme com antecedência? Ok, uma falsa antecedência, visto o atraso para que o longa chegasse até minha cidade. Que nem é tão tão distante.
Uma fobia de estar ali no meio apoderou-se de mim. Mas enfrentei os fãs mais ousados que levavam bolsinhas de coruja – ah vá, a Edwiges é a primeira que vai pro saco – entre outras peculiaridades que possivelmente eu só pude conferir ali. Rumei até a sala. Já mencionei que meu bilhete coincidia com a primeira fileira? Sim, primeira. Eu já havia previsto um torcicolo daqueles depois da sessão pipoca. Dor no pescoço que ficou no chinelo, perto da algazarra que começou quando a tela acendeu.
Histeria. Propaganda. Mais histeria. Símbolo da Warner. Demência. Primeira imagem do filme. Inconsciência. A sala 5 estava repleta de gente desvairada. Pior ainda, deixando-me em estado semelhante. De raiva. Atores aparecendo aos poucos, personagens da minha pré-adolescência contemplados com gritos. Era a sessão terror. Thriller movie na sessão madrugada do cinema da cidade. Só não saí correndo dali aos berros por que... Eu realmente queria ver o filme.
Vou poupar meus elogios para a adaptação da primeira parte do último livro – e se você não gosta de Harry Potter, o problema é todinho seu – tudo corria bem, até a tela resolver dividir-se ao meio. Artístico, ironicamente. O sono dos lanterninhas atrasou a estabilização da tela, que veio após alguns minutos de meia-tela e urros dos estressados. Credo gente, estresse desde cedo cria rugas. E cabelos brancos. Com a suposta normalidade, achei que já tinha acontecido de tudo. Voltar para casa antes das três era missão impossível até então.
Não. Pausaram o filme, como se fosse um DVD alugado para assistir no aconchego do meu sofá. E voltaram até a parte em que o maldito corte resolveu roubar a cena. Respirei fundo, observei os cidadãos levantarem das cadeiras, remexerem-se, abusarem um pouco mais da voz. Vamos rever a cena. Tudo bem... Era uma parte que eu havia elogiado, a ideia ficou muito boa. E vi de novo, sem fôlego para reclamações.
Tensão, tristeza, ação. Ouvi soluços e narizes. Choro. Os créditos começaram a rolar ao som da típica trilha sonora e esperei a luz ficar acesa para que pudesse me retirar sem correr o risco de tropeçar no meu próprio all star – o que não seria de se estranhar. Nada de luz se acender. Atípico. Arrisquei-me andar até a luz no fim do túnel e tentar sobreviver nesse breve espaço de escuridão e gente se embolando. Comentários audíveis do filme. Eu queria de novo. O filme, somente o filme.
Desci as escadarias do shopping, conversando com alguém que realmente entendia minha indignação. Entre xingamentos, pérolas e exclamações sobre o que acabávamos de vivenciar, a conclusão era óbvia – diferente da noite:
- É isso que dá vir em pré-estreia;

Mutação

A gente teima em modificar o que está cômodo. Mas a verdade é que a mudança nos faz bem, pelo menos se propõe a fazer. Não há alterações que não venham, seja por dor ou por necessidade, fazer-nos crescer. Refletir. E mudar.
Há quem se entedie muito fácil, e os que se contentam com pouco. Os que nada buscam e os que em tudo crêem. Desenvolver faz parte. Optar também, mesmo que seja impossível explicar algumas escolhas. Por impulso. Criar situações, definir rumos, alimentar expectativas e, vez ou outra, dar de cara com a decepção.
Se decepcionar também faz parte. Faz crescer, da maneira mais difícil, é verdade. Mas faz, simplesmente. Passa o tempo e quando vês, sedimentamos o que por hora sentimos. Atamos as mãos, cruzamos as pernas. Arremessamos da janela em vã tentativa de viver. Antes que alguém nos atire. Externe.
Revolta. Preciso dizer que compõe a vivência? Transforma por si só, a pessoa que assume outra personalidade. Na esperança de funcionar. A revolta vai embora, as cicatrizes ficam. E muda-se.
Uma hora cansa. E cansamos de cansar e permanecer cansados... Daí vem o tempo, as acusações e o tédio, fazendo com que a ideia seja substituída. Não adianta. É impossível não mudar.

(Ok, preciso de inspiração. Ur-gen-te. Alguém se habilita a tomar um café?)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Aleatório

- O problema é que a gente quer sempre antecipar tudo;
- É verdade, a Rosane sempre diz que eu adoro pôr o carro na frente do boi;
- Mas eu não consigo...
- É que a gente pensa lá na frente...
- Aham
- E deixamos de pensar no agora... Porque o agora já foi pensado lá atrás.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

É o primeiro dia do resto da minha vida

Um contra-senso. Acabou por inverter a história. Quando pequena, deitava-me e, religiosamente pedia que minha mãe contasse alguma história. Tinha adoração por Chapeuzinho Vermelho e os Três Porquinhos. Gostava ainda quando ela resolvia, de muito bom humor, inventar alguma narrativa. Ingratidão a dela ao me levar a um lugar chamado escola. Deu-me opções: a pública e a particular. Na cidadezinha onde morava, a última garantia os mimos de cadeirinhas e mesinhas coloridas. O que de nada adiantou, de colorido eu me bastava com minha caixa de Faber-Castell com divinas 48 cores. Optei por mesas e cadeiras normais. O primeiro dia, não esqueço, a novata. Mil rostos fitando-me dos pés à cabeça – não que houvesse muito espaço entre um e outro. Era o ápice da minha meia dúzia de velas assopradas.

Um pecado, largar aquele projeto de gente à mercê da professora e de um batalhão de curiosos. Ainda lembro-me da primeira pergunta: “Você tem cachorro?”. Tinha. A Kika, que infelizmente perdera a vida em um incêndio. Mas não vem ao caso, afinal, o choro entalado na garganta resolvera anunciar a chegada de mais convidadas: lágrimas e lágrimas rolando pelo meu rosto – que nunca imaginara receber, futuramente, visitas periódicas da tal de Acne. Enfim. Chorei. Chorei. E passei as horas seguintes em uma salinha especial. Não entendia porque a salinha era especial e, anos mais tarde, descobri o que era síndrome de down - a rima forçada não fora de propósito, perdão. Todos tinham direito de aprender, e eu, obviamente, de chorar.

Desesperada ao ouvir o que a diretora relatava. Que conduta terrível da menina, anti-social. Fechamos um acordo com a bibliotecária: eu iria me juntar aos outros de mesma idade, à contra gosto, mas a oferta era válida. Poderia dali em diante, emprestar quantos livros eu quisesse daquele lugar mágico que me acolhia tão bem. Meus primeiros passos na literatura, quem sabe. Sorte minha que consigo lembrar, ainda em detalhes, do pior dia da minha vida. Esbaldava-me em casa com tantas figuras de coelhinhos, ratinhos e bonequinhas. E dizeres curtos, porém, tão significativos.

Hoje, ironicamente, me peguei lendo crônicas recém adquiridas para minha mãe. Antes de dormir. Nada comparado a chapéus ou porcos. Quiçá, camelos e agulhas, aniversários de crianças ou domingos de sol. E, de muito bom humor, entoava algo que anos mais tarde viera a aprender a gostar e escrever: crônicas. Hora de contar histórias e dormir.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A saudade prevalece

2 de novembro. Finados. Cemitério Municipal de Maringá e alguns cliques.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Eu não me importo

O frio gela até a alma, se é que ainda a tenho, se não a vendi em um desses dias de fogo. Sabe que para esquecer a vida, se é que posso chamar isso de vida, doses e mais doses de álcool acalentam qualquer coração congelado. Alzheimer momentâneo, fuga passiva. E o efeito teima em passar cada vez mais depressa. Tentei outras coisas mais pesadas, que prolonguem o efeito de minha ausência terrena, mas careço de ter doses ainda maiores de cada substância dessas. Dilacera-me aos poucos. Por ninguém se importar, eu não me importo.

Pesco algumas lembranças que boiam na memória já diluída pela falta de oportunidade. Ou falta de vontade - não serei negligente com minha própria situação. A barba volumosa fornece a prévia dos dias em que não vejo um chuveiro. Um espelho. Os hábitos asseados que um dia já tive. Mal consigo lembrar aquela época, hoje distante, apagando-se gradativamente. Já não faço perguntas, não quero respostas, evito prolongar o raciocínio. Mantenho o corpo inanimado ainda bombeando sangue. Veneno que mantenho minhas angústias em quarentena. Pertence que não posso doar vender ou mesmo liquidar. O sangue ainda me deixa vivo o suficiente.

E percebo, com certa dor, que diferença nenhuma fiz. Que deixei a lacuna da minha vitalidade vazia. Enterrei-me na vala que eu próprio me dispus a cavar. Sem casa, família, identidade ou história. Não lembro e, pior, ninguém mais se lembra quem eu era, sou e, quem sabe com alguma clemência, serei. Cansei de albergues, de agir e ser tratado como animal. Cansei do teto onde moro ser tão bipolar: hora faz sol, hora cai um pé d’água. Cansei de respirar fumaça de automóveis, de ver miséria, de perceber que minha ignorância atou-me à inutilidade. Que a preguiça e falta de perspectiva nocautearam meus sonhos que não consigo recordar quais eram. O oco dentro de mim não pode informar se sou pai, filho ou simplesmente humano. Apenas sou, existo. Sei disso porque penso, critico. E só sei criticar, nada mais.

Meus dentes batem uns aos outros, o clima sugere outra mudança na temperatura. Capaz, em plena primavera. É o caos. Enrolo-me nos trapos que ocupavam o guarda-roupa de alguma alma supostamente caridosa, que o esvaziou e diz ter feito boas ações. O vento intenso faz com que meus olhos permaneçam semicerrados. Meus cabelos desgrenhados não conseguem se embaraçar mais. Abraço meus joelhos, aperto meus braços repletos de feridas, picadas. Tateio os bolsos. Nada. Não tenho mais condições de manter os vícios, minha salvação. Relutei até fechar os olhos. Frio é psicológico. Frio é psicológico. Frio é psico...

"O coordenador do pronto-socorro de Mandaguari, no noroeste do Paraná, Eron Rodrigues Barbiero, confirmou hoje a morte por hipotermia de João da Silva Oliveira, de 40 anos, ocorrida durante a madrugada, em frente a um bar. Segundo Barbiero, ele teria saído de casa para beber bebida alcoólica, o que fazia com frequência, e acabou passando a noite na rua. A vítima foi encontrada sem agasalho. Barbiero disse que Oliveira não tinha patologia crônica que pudesse levá-lo à morte, por isso o atestado confirmou a hipotermia. O município de Mandaguari fica próximo de Maringá, onde o Instituto Tecnológico Simepar registrou temperatura de 6,5 graus positivos durante a manhã de hoje."

Agencia Estado, atualizado em 14/7/2010 às 17h10

sábado, 30 de outubro de 2010

RUC Revista

XIII Mostra de Profissões no Cesumar, ontem. Cair da cama, ônibus, correria, muita música, risada e, no fim do dia, uma graaande satisfação. E mais ônibus, é claro. Ó vida! haha
As fotos são do RUC Revista (@rucrevista), que ontem teve duas horas de duração, com várias entrevistas e apresentações de bandas aqui da cidade. Valeu equipe linda! :)

Preocupação

Organização

Gratificação (tietismo mesmo haha)

Correria

Entrevistas

Bandas

Rádio Universitária Cesumar


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

É uma viagem

Achei que eu não ia ligar muito. Até agradeceria quando a correria de cumprir pautas pro jornal-laboratório acabasse. E agora que chega próximo ao fim, a saudade antecede qualquer outro sentimento que eu possa expressar.
No meio do ano, quando resolvemos - aos cuidados de Deus - avaliar as produções, houve diversas reclamações quanto às idas ao bairro. "É longe demais", "não tenho tempo", "não moro em Maringá", "não sei abordar as pessoas", "não acho nada interessante".
Eu, bancando a do contra, pensava: eles não sabem o que dizem. Só pensava.
E, certamente, não sabiam. Ou eu que era maluca demais em aceitar subir num ônibus que nunca tinha pego na vida para ir a um lugar igualmente desconhecido. Perigoso, distante, isolado, bonito, curioso, carente? Só saberia quando a viagem acabasse.
Por sinal, já está acabando. E o maior perigo que encontrei até então, foram os comentários dos colegas que desencorajavam qualquer pessoa a seguir adiante com os bairros. Que renderam tantas crônicas e risadas. Lembranças.
Aflita, já deixo o banco do ônibus Matéria Prima para outro aventureiro sentar. E aviso de ante-mão, que de nada vai adiantar permanecer sentado, ouviu? Há muito trabalho pela frente para manter o bonde andando. Com o que me assemelho? Querendo cuidar do que, durante um ano, chamei de meu. Orgulho.
Quando Deus disse que aquilo seria uma vitrine, prontamente acreditei. Mal sabia que Deus também errava. Mais que um mostrador de produtos bonitos, com embalagens atrativas, o tal do ônibus que embarquei era o nosso próprio diário de bordo. O que apresentamos não tinha nada a ver com belos pacotes. Tinha a ver com as pessoas que desembrulhamos para mostrar ao mundo que existem.
Era disso que eu mais gostava do bairro. Explorar. Descobrir no rosto anônimo um diferencial. Abrir um baú de histórias para meu próprio aprendizado. Aprendi. Errei. Rompi barreiras que só eu tinha.
Puxo a campainha, ouvindo ao longe as histórias que vamos contar dali alguns anos. Era o sinal. O condutor está parando, já consigo avistar rostos que serão desvendados futuramente. O desconhecido já não representa mais o medo que antes todos tinham. Me preparo para descer e esperar o que virá. Por enquanto, estou bem guiada, sei disso. O Todo Poderoso toma conta do volante, extraindo de nós o máximo de combústivel que consegue. Muita cafeína.
Transporte ecologicamente correto. Humanamente curioso. E Ele nos prepara para seguir o caminho não mais sobre rodas. Temos nossos próprios pés desenvolvidos para continuar a jornada. Descobrindo. Desembrulhando os pacotes.
Foi o meu maior presente. Conhecer quem conheci. Vivenciar as cenas que só eu vivi. O ônibus para. Chegou a hora de descer.



Fotos: alguns dos ilustres mais-que-personagens da nossa história; E faltou muita gente;
Essa última, os desembrulhos do ano, hahahaha

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Eis que...

Apareço quando a pessoa menos deseja. Aliás, sou muito criticado. Meu teto é de vidro e meu pavio... Bem, que pavio? Não gosto de dividir atenção. Sou egoísta e sei disso. As pessoas hesitam ao me identificar, e muitas mentem a meu respeito. Escondem-me como se eu fosse motivo de vergonha e, muitas vezes, sirvo de pivô para muitas brigas. Não queria ser uma sementinha de ódio plantada na relação entre as pessoas, mas acabo servindo tal função quando bem entendem. Meu intuito era proteção, alerta e um bocado de manha.

Infelizmente, usam-me como desculpa para se livrarem de quem já não interessa mais. Atribuem significados aos bens materiais e me jogam na fogueira quando alguém pede qualquer objeto emprestado. Impossível eu, na idade que pouco me importa, ser tão ruim assim.

Acho cômico quando esses humanos resolvem me evitar. Negam-me a razão, quando sei o que estou fazendo. Quando não querem admitir a si mesmos o que sentem por outrem. Considero minha principal diversão, se queres mesmo saber. Fico pouco em evidência para dar show quando resolvo aparecer. O que, dependendo da situação, faço com frequência. Aí recorrem aos tais psicólogos para controle emocional. E botam a culpa em mim. Logo eu, que só atiço. O real responsável pelo circo pegar fogo são esses daí, que me rejeitam a qualquer custo.

Eu existo, e isso é fato. Ponto. Nunca deixarei de existir, enquanto a possessão for componente do perfil das pessoas. Ter-me ao lado é comum, não sou doença. É que, na verdade, ninguém consegue compreender minhas reais intenções. Gosto de testar limites, de gente que saiba me dominar. E quando isso acontece, ah meu amigo, fico manso, manso.

Eis meu segredo, de domínio e dosagem.

Desculpe-me, não me apresentei ainda. Mas imagino que já tenha ideia de quem seja, pois provavelmente já participei ou ainda participo da sua vida. Posso até ser tudo isso que me pintam, mas jamais mal educado.

Muito prazer, meu nome é Ciúme.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Recomeço

O tempo dela, mal sabia, estaria a chegar. Não era possível dizer se era mimada demais para aceitar que nem todos a tratariam da forma a qual tratava os demais, mas via-se que tinha consciência de que sofreria além da conta por agir de tal forma. A imaturidade ainda se fazia presente na pouca idade e na falta de experiência do acúmulo de anos. Não sabia lidar com certas situações.

A recompensa pelo esforço – pensava - raramente vem, que dirá o reconhecimento. Está em falta no mercado, tão saturado de egocentrismo. São verdades que enfrentava, ainda que com o apoio dos amigos, faltava-lhe o aval de quem a moldara a ser quem se tornou. Ou no que se tornaria. Não caberia a ela, nem a Freud explicar o posicionamento brusco do Mestre. De como ignorava as vitórias e a fidelidade daquela que seguiria seus passos. Não demonstrava interesse e, proferir uma palavra de estímulo, era afrontar o dom que recebera. Que agora aparentava não ser mais o de ensinar e acompanhar justamente aqueles que se esforçavam para alcançar alguma plenitude no espaço de atuação. Teatral.

Ela segurava o relógio, pois sabia que a hora estava chegando. Nunca se dera conta de como esse tipo de situação poderia afetá-la. Não sabia dizer se fora pelo sentimentalismo aguçado ou pela mágoa atribuída à desanimadora indiferença. Como podia ser uma pessoa com duas personalidades completamente diferentes? Na frente dos demais, misógino. No mundo, deleitoso. E deleitava-se. E machucava, destruía e não se importava. A realização não lhe pertencia, ele que já tinha tudo o que gostaria de ter.

O acúmulo nas decepções aglomerou-se instantaneamente, ao ver a atenção redimensionada a qualquer produção mal feita. Desfez-se de todas as crenças, pôs fim à magia e brincadeiras. E sabia que era chegada a hora. Correu escadaria abaixo, mal sabendo que era observada.

- Você tá chorando?

E pulou, sem pensar duas vezes, rolando, rosto abaixo. Uma lágrima de desgosto. O tempo acabou. Não conseguiu responder.

- Não acredito que você tá chorando por causa disso. Me diz que não, vai.

Ela ria, enxugando o rosto com as costas da mão gelada. Que tremia.

- Não sei se rio ou se choro.

E os dois riram.

Ela foi embora, pensando em como foi infeliz ao acatar ordens de quem não se importava. Resolvera que era hora de libertar-se, pensar sozinha e reconhecer-se. E chorou. Sorriu. Adormeceu. Amanhã teria de caminhar com as próprias pernas.

E o tempo recomeçava...

domingo, 17 de outubro de 2010

Domingo, Willie Davids, futebol

Da (mini) série "Significando"

Fotos: desculpa para sair de casa. E, ao mesmo tempo, me sentir em casa. :)
Ótima semana para os que passarem por aqui - e para os que não passarem também.

sábado, 16 de outubro de 2010

[consequências da] Reportagem de bairro

Originalmente publicado no jornal Matéria Prima

A saudade de fazer relatórios impulsionou-me, ainda que mentalmente, ao que escreveria ao chegar em casa. Sabe, é mal de toda vez que saio para fazer matéria de bairro. Até mesmo ir a um lugar que não conheço e procurar algo novo, externar para a sociedade... Ou mesmo ir a um lugar conhecido e tentar explorar algo ainda não visto. Pequenos detalhes me levam mais à certeza de que estou no caminho certo. De que é isso mesmo que eu quero para a minha vida. Inteira.

Eis que descubro o que daria de presente para a professora, em comemoração à idade nova dali 24h: fazer valer a pena todo o conhecimento que estou acumulando com o avançar dos dias. Tudo que eu pude aprender – e ensinar – com a oportunidade que o jornal-laboratório trouxe.

Para se ter ideia, gosto ainda mais quando tenho de fazer tudo em cima da hora, sabia? Parece que dou conta, é o mesmo que estar em um jornal diário, que requer produção diária. Meu dia começou cedo, na companhia do melhor amigo. Era preciso chegar ao bairro – a qual nunca havia ido – e descobrir algo interessante. Desafio. Conversei quem já tinha ido ao local. A resposta não foi das melhores. “Muito difícil de achar pauta, o bairro é grande... eu sofri pra caramba”. Pronto, e meu tempo era escasso - das 10h às 13h para achar algo. Já desanimada com o fato de ter “pouco” tempo para buscar algo, as referências que obtive do Conjunto residencial Hermann Moraes de Barros contribuíram para que o pessimismo invadisse meus pensamentos: bairro perigoso, distante, violento. E eu, na minha dependência da TCCC, não tive opção, senão encarar o que estava por vir.

Fui até a escola de inglês, da qual dois amigos faziam aula – dali fomos para o terminal. A Camila fez companhia até a metade do caminho e me desejou sorte para achar pauta. Internamente eu realmente quis que aquele desejo de boa sorte funcionasse. Embarcamos em mais uma ida sem saber o que nos aguardava. Chegando ao bairro, falei com um morador que, no calor infernal que nos acompanha desde o início da semana, estava lavando a calçada. Ele nos informou que o bairro que queríamos ficava da esquina seguinte adiante. Sem opção, lá fomos nós...

Parei uma velhinha na rua, uma simpatia! Aliás, eu acho que tenho sorte com moradores de bairro. Até hoje todos foram bem cordiais. Conheci pessoas que valiam à pena! O que me deixa imensamente feliz. Como ela mudou-se para a região havia três meses, tudo ainda “é lindo”. Inclusive o acesso do transporte coletivo, que é bem frequente – uma raridade, todos os moradores dos demais bairros em que estive reclamavam da TCCC por não ter ponto de ônibus ou por demorar demais para passar. Olhei para meu amigo, que entendeu imediatamente: achei a pauta. Descemos a rua e abordei duas meninas, uma de 12 e uma de 18, estudantes que dependiam do transporte coletivo: confirmaram o que a senhora felicíssima disse – a praticidade e rapidez do ônibus ali era um fato. O acesso aos demais cantos da cidade era beneficiado.

Quando pensei ter encontrado a pauta nos primeiros cinco minutos circulando pelas ruas do conjunto, resolvi que era hora de partir, e fomos ao encontro com a avenida que corta as demais travessas, para pegarmos o transporte tão acessível. Olhei para o lado direito da rua que descíamos: um painel cheio de tapetes coloridos. Não hesitei: corri e bati palmas. Ninguém. Bati de novo. “Já vou! Quem tá aí?”. Respondi com outra pergunta: “é a senhora que faz os tapetes?”. “Minha filha, um momento... Ô Dulce! Ô DULCEEE!!!”. Eis que conheci a dona Dulce, outra simpatia. E uma história e tanto: ela mesma faz os tapetes, funciona como um negócio próprio, e ela aprendeu sozinha. Saí da casa com um sorriso de orelha a orelha. Meu companheiro de pautas e bairros perguntou: “Mas e agora, qual das histórias você vai fazer?” Dos tapetes, óbvio. Pensei: poderia muito bem fazer as duas.

Já na avenida, cinco “jaulinhas” cheias de filhotes de cachorro em adoção atraiu o nosso olhar. Não resisti e adotei a Mel, uma vira lata de 40 dias. Entrei na minha “Mercedes-Benz” com o filhote dentro da bolsa, para que ninguém visse. Minha sorte, fiel escudeira, foi que a tagarelice das senhoras ao lado escondeu o choro da pequena, que voltou dormindo com a cabecinha para fora da mochila.

Uma pena a Mel não ficar muito tempo comigo. O passeio de ônibus fora o suficiente para que eu desse a atenção necessária que a mesticinha merecia. Caminho ainda tinha para ser percorrido: voltando para casa do terminal, a pé, resolvi pegar a Rua Joubert de Carvalho, pensando “vou passar pelo que foi a vida do professor Fabio [Dias, de fotografia] durante um ano”. Confesso, nunca gostei daquela rua, mas as fotos que ele fez de lá fizeram com que eu mudasse alguns conceitos. Ao menos atiçaram a curiosidade histórica. A cachorrinha no meu colo. Passei em frente a uma das tantas lojas de roupas e tecidos de lá, quando uma moça me chamou – “Que coisa linda, me deixa ver?”, entrei com a Mel, que logo foi “raptada” dos meus braços para que todos os funcionários ali resolvessem mimá-la de uma só vez.

A que me chamou por causa da cadelinha contou que a vizinha perdera o animalzinho de estimação havia uma semana. No bairro onde ela mora, a menina foi na padaria buscar pão para a mãe e levou a cachorrinha junto – até o ônibus chegar...

Engraçado que foi por causa do ônibus que cheguei até a Mel, até onde estava agora. Instantaneamente perguntei: “você não quer levar para ela?”. Silêncio. Repeti. Ela me olhou incrédula. “Você não vai ficar com ela?”. Expliquei que moro em apartamento, que provavelmente eu ia levá-la a outro lugar. Ela não hesitou mais.

Saímos juntas da loja, eu, em direção à minha casa, ela, correndo pegar o ônibus, aproveitando o horário de almoço para fazer uma surpresa para a menina que mora ao lado da casa dela.
Voltei ainda mais feliz, pois sabia que tinha encontrado um lar para a Mel, se é que agora teria esse nome. Feliz, não por ter adotado um filhote por meia hora, mas por ser adotada por essas pessoas a cada vez que ouso me aventurar nas matérias de bairro que a “Dona Pauta” [a professora] nos faz vivenciar.

Reportagem sobre os tapetes aqui!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Todo dia...


12 de outubro, Dia das Crianças. Passou sem qualquer significado. Até qual idade podemos considerar uma criança de fato “criança”? Não sei. Há quem diga que a criança nunca morre - se esconde. A minha criança foi substituída por movimentos robóticos. Infelizmente.

Acordar, café, trabalhos, almoço, trabalho, café, faculdade, café, ônibus, livros, cama. Sem sonhos. Programação mecânica, envolta pelo tédio, pela mesmice, pela ausência de cor. Disseram-me que meu perfil era de extremos. Resolvi que crescer funcionaria bem, quando a criança aqui dentro anseia pelo retorno. A mesma que atira as memórias de um tempo bom, espontâneo. De atividades maleáveis, flexíveis. Agora, que sou? Parte do conjunto, peças de metal. Que hora ou outra precisará ser trocada.

E que falta faz? Sem vida, segmentada, obediente. Componente perfeito de um modelo seguido por tantos. Vazio.

Tudo exatamente igual, as mesmas repetições, a mesma nota soada tantas e tantas vezes, agora inaudíveis para que alguém possa ouvir. O grito de desespero, o choro sufocado pelo cotidiano. O cansaço agarrado às olheiras, o combustível agora com gosto de diesel. E o dia das crianças já passou.

Significação para quem atribui, para quando faz sentido. Sequer a data do aniversário fez sentido, comemorar ser criança? Deveria ter libertado, por um instante, a criatura já travada, destinada ao esquecimento. Deveria ter. Tanta coisa.

Mas muito tinha de ser feito, descomemoração, desaniversário, desalimentada, desacordada. Ao contrário. Sempre igual. Diferente.

Acorda!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Quando a didática é posta em questionamento

Reformulando: quando a qualidade da didática é questionada. A metodologia engessada de despejo do conteúdo nas mentes de alunos que fingem aprender uma verdade absoluta é, definitivamente, algo que deveria ser extinto na docência. Há verdades que não mudam. Será? A ciência é posta em prova a todo instante, e novas formulações e embasamentos são descobertos e derrubados a todo o momento em que alguém se dispõe a ir mais longe ao conteúdo explorado.

Ok, não vou falar de métodos de ensino, pois não tenho aval algum para dar pitacos a respeito. Só contextualizo uma opinião que tenho vivenciado e que, de certo modo, associa a experiência do profissional com a maneira de ensinar. E isso resulta em diversos pontos positivos, que ultrapassam a compreensão delimitada pelas paredes da sala de aula. O bate papo, mesmo que sem ligação direta com o assunto discutido, por vezes resulta em uma consequência positiva. Estimula o pensamento e a própria definição das ideias acerca do que nos rodeia. É esse o ponto. Conseguir parar e, por um instante, pensar em possibilidades, em teorias - e viver daquele fragmento utópico de que os 110 minutos de suposições e hipóteses valem cada segundo esticado da sexta-feira. Ou de qualquer outro dia.

É difícil falar de todos àqueles que me ensinam algo. Todos conseguem ensinar para os que se dispõe a aprender. Outro ponto. Escutar e discutir. Apreender funções, histórias, experiências, vivência. Definir como conteúdo o que material algum poderia transpassar. Admiração. Não consigo definir a sensação abstrata de estar em contato com pessoas que direta ou indiretamente contribuem para a formação dos meus ideais, da minha postura. É difícil falar de todos de uma só vez, pois cada um tem uma característica singular que, somada ao todo, reconstroem as minhas crenças, apontam para novas alternativas. Sugerem outro olhar. Atiçam a observação e, principalmente, a atenção.

E cá permaneço, perdendo algumas horas de sono da minha sexta-feira, tentando escrever algo que nem eu sei bem o que quero dizer. Partindo do nada e querendo chegar a lugar nenhum, só para manter o complexo hábito de pensar. Nem sempre sentimentos são materializados em frases ou imagens. Definir em palavras não expressaria ao certo tudo o que cabe aqui dentro. Gratidão.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

ponto de ônibus;

e uma câmera em mãos;

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Madrugada em claro

Só poderia render algum devaneio.

-

Cadê a réplica? Da coisa, do sonho, do encanto e fadiga.
Quero a resposta. Que me incomoda, aflige, atinge, tinge e descansa no pensar.
Incômodo algum! Eu diria.
Perguntas. O que será, foi, fui, jaz. É.
Questão de tempo. Acanha, tormento, atormenta, engana e faz.
Pensar. O que quero, agora, não sabe e só.
Solidão. Escura, fria, vazio que ecoa.
O medo.
A verdade.
O momento.
Sorriso. Gargalha, alegria, sente.
O fim.
Fim.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cafecólotros anônimos

Vícios consumindo as horas, o dia, a própria vida por assim dizer. Tudo em excesso, já me disseram, faz mal à saúde – o que não deixa de ser uma verdade popular. Manter o equilíbrio tem papel fundamental no comportamento estável que assumimos, minuto sim, dia não. E maldito seja o vício! É maldito mesmo, mas dá para enganar o cérebro dizendo que faz bem e que é melhor assim. A dependência é perdoável, até compreensível se analisada bem. Age em benefício, ou pelo menos deve agir. Falo de um vício em específico. Já reparou como todo comunicador social (ou quase comunicador, meu caso) é viciado em cafeína? Mal da falta de tempo ou do acúmulo de funções em um mísero espaço de tempo talvez seja justificativa plausível. Produtividade. Fazendo mal ou não, quem é que resiste àquele cheirinho de café passado na hora? Ir ao shopping de vez em nunca e deixar de passar na livraria para consumir algo que contenha a tal bebida feita a partir dos grãozinhos torrados é voltar para casa com a sensação de que algo está faltando.
E o elixir nos acompanha em cada jornada. Logo cedo à mesa, mesmo que religiosamente você encha a sua caneca favorita, não há tempo para sentar-se: engole às pressas defronte a pia da cozinha mesmo, apreciando, ainda que ligeiramente, aquele sabor tão característico. Ah se o gosto fosse tão superior ao aroma. Ligada na 220 w, lembro-me do barulhinho que meu avô fazia ao terminar o cafezinho de meia em meia hora. Um estalo gostoso de ouvir, seguido de um “ah!”. Era o ritual que eu pude acompanhar de perto no decorrer da minha infância. Hoje a canequinha órfã repousa no armário da avó. A fiel companheira de porcelana ainda mantém as duas listrinhas azuis ao redor. No fundo só restou a mancha amarelada, resquícios do excesso de café, e as boas recordações que o avô deixou.
Vem à mente, ainda no mesmo instante, a cidadezinha que morava. E, Drummond que me perdoe, mas algo mais interessante que a pedra ficava no meio do caminho do sítio até o centro: uma torrefação de café. E, novamente o olfato ganhou minha atenção; Ninguém pode com café torrado, ninguém. A estrada para Maringá também acende outra lembrança: chegar à casa da outra avó com o mesmo olfato aguçado: torrando café no quintal, num latão de tinta improvisado e o torrador comprado na feira. Minha tarefa já estava determinada: moeria o café, com toda a força que meus bracinhos haveriam de ter, e faria com muito gosto! Afinal, a atividade era recompensada com aquele pão caseiro e o café feito na hora – e, quem diria, eu mesma tinha moído as sementinhas de cor marrom escuro. A típica família da margarina Qualy.
A bebida indispensável é um hábito que vem se desenvolvendo pelas terras tupiniquins (e ainda acho que a contribuição dos comunicadores conta muito nesses dados). Segundo estatísticas da Abic (Associação Brasileira de Indústria de Café), a média per capta é de 78 litros de café consumidos por brasileiros ao ano. Quanto você já contribuiu este ano? Eu já perdi as contas - se é que já tive paciência para fazê-las. Engraçado como a “droga” também (re) acende tantas lembranças. A mania de se abastecer do combustível para funcionar em meio às terras tropicais é de longa data. De origem etíope, o consumo do líquido se popularizou de tal forma, que impregnou qualquer ser humano a fim de aumentar os níveis de produção. Ou mesmo degustarem sabor tão singular.
Solúvel, descafeinado, espresso, instantâneo, orgânicos, kopi luwak, tradicional. Em excesso. Vai do gosto de quem se arrisca, bem como disse, vícios não são bons.
E vou deixando o anonimato por aqui, que a chaleira indica que a água está fervendo. Viciada, eu? Quem diria!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Um sonho, uma colcha de retalhos, um dia

É um sonho – disse-lhe de sobressalto – só poderia ser. Eis a visão do sonho, o vislumbre de meus dias, querendo esquecer o que tinha ali, cravado à terra roxa. A idade já ultrapassara as brincadeiras, embora os bilhetes infindáveis procedessem no decorrer das aulas. Assuntos inaptos para a discussão à frente da lousa. Era cansativo ter de frequentar a rotina. Passou-me pela cabeça que seria um bom nome de chiclete. Ro-ti-na. Doce no início e, com o tempo, vai perdendo o sabor. Quando se tenta livrar da forma errônea, acaba por grudar. Pegar no pé. Era realmente uma fuga daquilo tudo.

A oportunidade dos sonhos, quem sabe. Acionou o maçarico. Só sabia seu primeiro nome e nada mais me importava. Deixei de avisar a família, para evitar preocupações – afinal, a fuga era temporária. Começamos a subir. Atentei às pessoas que possivelmente teriam torcicolo se continuassem a olhar para o céu. Sorri de canto de boca. Eram pequenas agora. Não que eu fosse grande, mas a distância me confortou de maneira inexplicável. Separados pela altura, que mais haveria de ser?

Levantei os olhos, o piloto acendia um cigarro. Olhei para os lados, estávamos adentrando um agosto de muita seca. O clima se refletia na imagem mal formada da cidade, imponente e bem dividida. Posta como toalha de mesa, remendada nas combinações de quadras e blocos de edifícios. Ao longe, um lago – agora trancafiado, fazia bem alguns meses. Ouvi dizer que era para reforma. Libertaram os animais enjaulados, removeram os visitantes e este – ah! Ficou só. Cintilava, ao longe, a formação do sol irradiando a poeira que pairava no ar. Mal conseguia respirar, dado à umidade baixa, ao fogo que aquecia minha cabeça de minuto a minuto. Busquei não me importar. Era um sonho.

O cartão postal direcionava o olhar de qualquer cidadão, nascido nesta terra ou algum aventureiro. Embora no interior, ainda é a terceira maior cidade do Estado. Não deixava de ser: interior, repleto de pessoas com a cabeça pequena. Tal qual a cidade onde morei. Será que a visão seria assim? Algumas casinhas e, então, o verde inundaria. Voltei para o cesto que me carregava. Quando imaginei que flutuaria dentro de um cesto? O piloto acendeu outro cigarro – acredita que tem gente que se espanta? “Como assim você fuma dentro do balão?” – ri, ao olhar o que nos rodeava: quatro botijões de gás, combustível suficiente para manter nossos sonhos no alto. Ergui o queixo, o maçarico inflamava nossos rostos. Que mal haveria de fazer um cigarro? A cabeça encolhida não pertencia somente aos pés vermelhos. Não soube decifrar o incômodo em descobrir tal sina, mas continuei a apreciar a vista.

Os sonhos certamente estão no alto. Olhar para baixo é ter certeza de que o que ficou abaixo pertence a outra história. De um lado, a urbanização invadindo um espaço que, embora o olhar limitado da terra não identifique, ainda dominava. Enormes tapetes verdes rastejavam até o horizonte, delineado por tímidas elevações terrestres. Montanhas. E a imensidão azul-amarelada era só minha. O pôr-do-sol respingado por pontos coloridos no céu. Nas ruas, pequenas formiguinhas apontavam o sonho acima das cabeças.

Minha companhia de cesto avisou que era hora de descer. Recolhi meus pensamentos e guardei-os na bolsa, junto à cintura. Quicamos em um terreno desconhecido. Era uma plantação solitária, tal qual a lagoa do parque, não fora os visitantes inesperados. Entre pés de aveia e cavalos correndo - assustados com o barulho facilmente identificável - crianças tapavam a boca e soltavam gritinhos de alegria. Seria possível? Tão perto? Corriam ao encontro daqueles que desciam do céu.

- Dá medo? Como é lá em cima?
- De onde vocês são? – arrisquei.

O maior deles apontou para baixo, na direção que o fim do dia seguia. Um barraco montado no fundo de um vale anunciava a noite com a luz de fora já acesa.
- Nós seguimos vocês! Posso sentar aqui?
O piloto consentiu, ainda que desconfortável, a presença empoleirada de cinco garotos ao redor do cesto. Cinco formiguinhas lá do alto. Cinco persistências em seguir o sonho aqui de baixo. O sonho tão distante, que para a alegria dos irmãos, veio pousar no próprio quintal. Seis sonhos realizados por um dia.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Nada é tão ruim que os argentinos não possam piorar

""Maradona analisa possibilidade de treinar time no Brasil, diz escudeiro de técnico". Desligado oficialmente do comando da seleção argentina, Diego Maradona pode até continuar sua até agora curta carreira de treinador no futebol brasileiro. Isso é o que diz seu fiel escudeiro e auxiliar técnico, o ex-jogador Alejandro Mancuso."
Folha Online – publicado em 29 de julho de 2010, atualizado às 7h03

Aturdido, não conseguia engolir que o tricolor tomou de um a zero. Apoiei os cotovelos nos joelhos, segurei a cabeça – visivelmente decepcionado. Fitei o chão cor de tabaco, ainda exalava a produto de limpeza. Vislumbrei um fragmento do dia seguinte, a caça aos bambis certamente estaria no ápice da descontração alheia. Respirei fundo. Os caras no trabalho com certeza pegariam pesado. Já tinha recebido mensagem no celular avisando “dá-lhe Inter!” e fingi estar sem créditos para responder.
Seria prudente inventar alguma desculpa. Alguma doença grave – era válido, ao menos evitaria aborrecimentos. Quiçá, salvaria até mesmo meu emprego. Maldita hora em que fui trabalhar para um corintiano.
Entre um plano mirabolante e outro, reconheci a música do jornal. Era o último telejornal da noite, e eu torcia para que em momento algum fosse mencionado o “caso do goleiro Bruno”, ou seria obrigado a desligar a TV. Eu tinha de tirar da cabeça os erros de gramado – estava decidido. Concentrei toda a atenção no apanhado de notícias que a Christiane Pelajo prontamente anunciaria.
Ah, mas se arrependimento matasse... Mick Jagger teria torcido pela Alemanha nas quartas de finais ou eu teria ido dormir mais cedo. A reação, quase que instantânea, foi de incredibilidade. “Diego Maradona assume posto de técnico da Seleção Brasileira”. Diego Maradona. Ma-ra-do-na. Não podia ser verdade, deve ter dinheiro por trás disso! Explicação lógica para um fato sem nexo algum. Ver aquele barbudo faceiro acenando, como se tivesse ganhado na mega-sena, bastou para que a frustração de 2014 se consolidasse.
O apito ao final do jogo soou. Estava encerrado, era hexa. Finalmente o hexa! Sob os cuidados daquele que por baixo da camisa verde e amarela tinha impregnado na pele a cor azul e branca. Frustrado como qualquer patriota de época, ouvi atentamente o apito, que não parava de tocar. Barulho mais insuportável que a própria vuvuzela. Parecia até mesmo o meu...
Abri os olhos, a claridade invadia o quarto. O ruído ensurdecedor tremia o criado-mudo e acordava o restante da vizinhança. Bati a mão com força para desligar o despertador, fazendo um estardalhaço ao derrubá-lo no chão. As pilhas foram inescrupulosamente arremessadas para debaixo da cama, obrigando-me a percorrer o mesmo caminho, engatinhando, à procura do relógio, que pairou sobre um jornal da semana anterior. “Mano Menezes assume a Seleção Brasileira”, era a chamada de capa.
Esfreguei os olhos, encarei novamente a página de esportes. Foi o suficiente para que a derrota da noite passada nem tivesse existido. Aliviado, fui passar um café antes de começar mais um dia de trabalho. Enquanto o aroma característico imbuía a cozinha, liguei a televisão.
“Pesquisa Ibope aponta Dilma com 39% e Serra com 34%”. Aninhei a caneca com o café novo por entre os dedos, levando o líquido à boca calmamente. Levantei-me, deixando a louça na pia, desliguei a TV. Bati a porta, encarei a rua, lembrando da última notícia que ouvira. E o dia mal havia começado...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

É incerto

Te querer o bem
Sem saber ao certo
O certo alguém que tem
Destino traçado
Descrença aturdida
No bem, mal
Em triste partida
E vai seguindo
Todo o sistema imune
De letreiros disformes
E alegorias por vezes
Que me fez assim

Querer-te o bem
Fazer sorrir pra mim
E só o bem que faz
Você por perto
Dando a certeza
De que nosso futuro

É incerto

terça-feira, 3 de agosto de 2010

E foi assim que aconteceu

Nem sabia o que pensar, corria desenfreada pela portaria do prédio. O porteiro, sem entender, digeria lentamente o assunto da fofoca na hora do almoço. Certamente alguma coisa de errado estava acontecendo para que a garota do quarto andar saísse correndo daquela forma. Fugindo de si mesma, de qualquer retalho de culpa, do que não podia acreditar.
Ela demorou a ser assaltada até aquela tarde supostamente aleatória. Foi ao acaso, o interesse era outro, profissional. O parque absorvia toda a luminosidade, a luz mágica. O ambiente era favorável, e então eles se conheceram. E seus pensamentos foram furtados.
Poucas palavras de fato, mas o riso ecoando ao fundo de uma paisagem tão surreal reconfortava os pensamentos, alinhava-os para um único endereço: um ao outro. A sexta-feira demorou a chegar. Ela preferiu ficar em casa, vendo algum filme. Ele saiu para a noite, ironicamente a procura dela. Sem resposta. E sem saber que, ao ver o mocinho do filme, involuntariamente pensou nele. Estava acontecendo, ela pressentia.
- Achei que fosse te ver hoje
Pela idade, ele já podia pensar em um compromisso de fato. Ela era nova, começo de faculdade. Ele, diplomado, empregado e independente. Ela, mais uma sonhadora. Ele vivia o que quisesse viver, corria atrás da impulsividade. Ela, atada à saia da mãe, mal sabia o que era pisar na calçada do mundo. A sorte é que a garota tinha a mais bela visão de tudo, exceto pelas grades que ladeavam a vontade de voar. O registro era feito da janela, memorizado no papel e as histórias que tinha para contar era de um mundo só dela. E que ele, agora, queria fazer parte.
Nunca havia visto tal comportamento, de criatura livre querer se aprisionar. Entoou a mais bela canção, inflou toda a coragem que pôde e quis saber o que tinha por trás daqueles olhos castanhos. Daquela fisionomia frágil e deturpada. Antes da data que mudaria todos os planos, cada um desejava a vida do outro sem saber. E de repente, não mais que de repente, todo o pranto e fúria se fizeram véu e poesia. Caíram ao mesmo andar, nada mais existia a não ser a possibilidade da felicidade compartilhada.
Era o que os dois buscavam. Que todos buscavam. A felicidade. Excentricidade da vida a dois, os mimos e gracejos que encarnam o sentimento mais popular e menos compreendido. Responsável por dopar a maioria das pessoas. Não seria diferente agora.