sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Resta um

E é como se eu me olhasse no espelho. Daqueles olhos profundos amendoados, sob a luz estarrecida da avenida. Reconheci tantas delas naqueles sorrisos. Tive vontade de beijar-me os próprios lábios. Os cabelos pelo ombro, iluminados pela poesia da madrugada. Ao céu conciso, estrelas. Refletindo tantos olhos à meia-noite de um dia qualquer. De mudanças, afins e semelhantes.

Saboreava cada palavra proferida como se fosse um discurso que passara tanto tempo para produzir, parindo literatura prematura. Colhia as sílabas, formava frases e transmitia sensações como se fosse tradução do que é real. Aos olhos contrastando com a pele parda. No toque da palidez. Que refletia a lua e incendiava a garganta.

Queria falar. Falar-lhe tanto que não pretendia conter. Que prefiro não dizer. O que há de se afirmar? Das perguntas que não fiz, das respostas que vieram de maneira afável. Debruçando sobre a doçura do mel escorrendo por entre as veias fartas, do coração já entupido pela boca que não se cala, da rigidez nos entraves do que se é desconhecido. Não sabia.

Conhecia aqueles gestos, o pedaço de tecido com linhas que conduziam ao olhar no fim da rua. Que nada tinha. Imensidão moldada em teorias estarrecidas pelo sopro. Pelo tropeço. Arfava de modo que lhe fazia escorrer pelas têmporas, sinônimos das pretensões tardias. Vagando por entre estados físicos da mente enevoados pela ampulheta arrematada com desdém. Algemando os braços que uniam as memórias fervorosamente como uma só vida. De começo, meio e além.

Ainda refletia com semelhança os olhares reconhecendo o cinza das manhãs de maio. Gêmeos atados ao que se predestinava num destino curto. Os pés tocando a terra, avermelhando-se com tom de sangue que vazava por entre as raízes: fixava-se. O olhar nos dedos nus. Do par descalço afundando-se no que vertiginava os planos, ações, sem saber. Carne, água, unha, terra, ventre. Paria e permanecia, como abortos instantâneos de quem não cobiçava ficar.

A vontade aflorava contrapondo as indecisões permanentes. Tocava a água com fervor, ansiando mergulhar num desejo já asfixiado por normas, parênteses e travessões. Inquietantes vozes no vazio, no crânio, de suspiros formando imagens por entre os oculares. Ossos arremessados sem ofícios no vão do cerne, arrematando razões, esmagando penalidades crucificadas em gelo. Derretia medos, proferia escárnios e temerosamente ansiava dissimulação.

Morria, renascia, tal qual a madrugada. De globos transtornados pairando entre as órbitas, fixando-se e arriscando-se aquém. Dançando por entre a lua, a vergonha e as grades. Nasalado nas expressões mórbidas que já não saltavam à língua, não tangiam os dentes, não pairavam a altura do peito. Inaudível, mordaz, sufocando o choro de quem se fizera vítima de atassalhar o útero e bradar a ardência de nascer trancafiado entre raízes.

Imagem retirada do deviantart

Um comentário:

  1. Menina, que texto lindo! Vi vc passando pelo meu blog e foi uma surpresa bacanérrima. Faço parte do seu também, tá? Beijos. E que venham mais textos.

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