sexta-feira, 25 de março de 2011

Silenciosamente

A exaustão fez com que seu afastamento fosse repentino. Até respirar exigia algum esforço daquele que já contemplava alguns fios de cabelo branco na cabeça. Precocemente. Passou a desgostar do que antes lhe completava o perfil original. Festas, amigos, bebedeira, bons diálogos. Tinha preguiça de prosseguir com algum bate-papo. Injuriava-lhe o tempo que gastava nos ônibus da vida, com conversas tão infundadas dos passageiros que não conseguiam falar de outra coisa. Assuntos pertinentes só chamavam a atenção quando era para discutir algo que envolvia desgraças mundanas. Hábito moldado.

Acostumado ao próprio silêncio, já em tenra idade transfigurava o adolescente tagarela em uma sombra sorrateira, que só fazia acompanhar a movimentação ao redor. Em casa, afundado em depressão não identificada, evitava proferir muitas palavras. O silêncio já era companheiro mais que suficiente para suas aventuras em livros comprados pela internet ou raridades de sebos e outras coisas que apreciava. Era um homem só. Puxavam assunto na portaria do edifício em que trabalhava. Acenava com a cabeça. Só sabia discordar ou concordar com movimentos de pescoço. Criticava mentalmente.

A atmosfera parecia demasiadamente inferior ao que ele poderia transpor à sociedade que o transformava. Isolava-se. Mantinha contato com outrem monossilabicamente, embora não fossem diferentes: tinham necessidade de treinar a fala. Ele não - desprezava. Poderia ter nascido mudo, continuaria fazendo o que bem fosse da mesma forma que sempre o fizera: cabisbaixo, discreto e indiscutivelmente bem feito.

Não se importava muito com o que acontecia diante dos olhos turvos. A única necessidade que via era produção, (auto) reconhecimento e aquilo que já sabia bem: não pertencia a este mundo. Seu fim já decorado estampava os sonhos de todas as noites. Monocromáticos e cinema mudo, onde o herói deixava de salvar alguém atado aos trilhos do trem – ele próprio lançava-se de encontro ao maquinário. A única forma que encontrava de fixar os sonhos que nutria. O baque seco, a história sem enredo, sequenciada por formações de imagens. O silêncio fiel.

*Do aglomerado de textos intitulado "Preto & Branco"