segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Baú da Ana - parte I

Era tarde de novembro, doce novembro, e a chuva caía rala. Da janela podia observar os pássaros voando para seus ninhos, aglomerando-se nas árvores – sem esperança alguma. Podia me perder naquele céu manchado de aurora, ouvindo o ranger dos carros, o suave lamurio de um piano no sexto andar – já eram seis horas, hora de voltar – mas que diabos eu fazia naquela gaiola, que não havia necessidade de retornar?

Acho que foi há tanto tempo, já tinha decorado a ordem das estrelas naquele céu – mesmo céu – rubro com o entardecer. A noite surgia calada, traiçoeira... Obrigava-me a fechar os olhos; Sempre ali, trancafiada no meu mundo – não reparei que as penas começavam a cair, o vento a soprar.

O vento que junto trouxe a minha mudança, quem poderia imaginar? O pecador que sempre tive receio ou satirizei, o ser que muitas vezes vi e tentei, em vão, me esconder. Agora estava ali diante de mim. Convidava-me a sair daquele lugar, em meus lábios conseguia moldar um sorriso. As coisas foram mudando drasticamente, o piano já não soava a mesma nota, os carros não rangiam, só conseguia ouvir... Gargalhadas.

Desde então meus dias eram transfigurados em planos. Como sairia dali? Era mais cômodo ficar. Mas a curiosidade de conhecer novos mundos era maior, o ser diferente que me atentou, Judas, criminoso. Fora da gaiola agora tento bater as asas. Decepciono-me: o estranho libertador era um homem – apenas um homem – errando como tantos outros. Agora eu estava fora e, igual aos inúmeros pássaros que costumava invejar o vôo, procuro um lugar naquelas mesmas árvores. Pois sei que pra casa não posso voltar, amargo novembro. O ranger dos carros são dissipados pelo meu triste canto – em vão, suplico às estrelas, por um dia a menos no mundo daquele que me concedeu a liberdade.

Março de 2007

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