quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Incêndio

Fazia frio. O vento sussurrava pela fresta da janela. Papai e mamãe assistiam novela lá na sala, e eu tentava dormir com os dentes rangendo. Deitei ao lado de meus irmãos e o sono estava mais distante do que o verão. Olhava para o teto, pelo quarto delineado pelos feixes de luz vindos da televisão do outro cômodo. Som de risadas. Meu urso parecia maior visto pela sombra – ganhei da madrinha no dia em que completei três anos.

Os olhos foram se enchendo de areia. As pálpebras caindo aos poucos. Sonhava com a profissão que já era certa: seria herói. Bombeiro. Era o que o destino me reservava, sem imaginar que seria tão cedo. Ouvia gritos distantes, um calor latente. Era preciso arremessar o edredom ao pé da cama e evitar que amanhecesse todo suado.

Os gritos se intensificaram. Um forte cheiro invadiu meus pulmões fazendo com que eu levantasse, de súbito. Tossia mais e mais. A fumaça permeando o quarto inteiro, o desespero estampado nas feições de quem era do meu sangue. Não pude gritar, ainda tossia. Papai tentava nos tirar dali enquanto mamãe, desesperada, fazia alguma ligação. Eu conheceria meu destino. Só não imaginei que tão cedo.

Corri para o banheiro, imaginando a quantidade de água disponível para apagar as chamas. Da porta, de soslaio, pude ver meu urso de pelúcia perdendo o formato original, mudando a cor para um tom mais escuro. O focinho de plástico derretia aos poucos. Em seus olhos as chamas ainda eram refletidas. Encurralado. Uma tocaia.

Fazia calor. A sirene ecoava pela rua da minha casa. Urros. Vi por entre as labaredas um vulto, poderia ser papai. Ou meu urso. Ou meu destino. A fumaça tomava cada vez mais conta do ambiente. Onde estariam meus irmãos? Agachei tentando não respirar mais... Tossia. Tossia. Tossia. E já não respirava. Era o que o destino me reservava. Eu não imaginava que viria tão cedo.