quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Combate

O corredor gélido contrastava com o suor escorrendo pelas têmporas. O calor que provinha de fora era latente. “Siga-me”. E o fiz. Obediente, impulsivamente. O corredor era longo e largo, com um bebedouro do lado esquerdo, mais adiante, uma parede de vidro do lado direito. Nada de diferente. Bem mais limpo do que eu imaginava – e calmo. “Agora vamos entrar no Vietnã”, brincou o doutor. Conferi se minha arma estava programada para o ataque. Ataque à (falta de) privacidade dos que permaneciam enfileirados no campo de combate. O uniforme verde não negava a batalha que travavam diariamente para sobreviverem em tal lugar.
Eu nunca esperei ter alguma reação de pânico, falta de ar ou desespero ao me deparar com uma cena daquelas. Para mim, Hitler poderia ligar a câmara de gás que muitos ali agradeceriam. Fui atravessando, atentando-me aos jogados no meio do caminho. Tiroteio, pessoas desfiguradas, desesperançadas. Animais. Um dormia agarrado ao quase-curativo no braço quebrado.
Outro mostrava metade da face arroxeada, maior que o normal. Um olho não abria. E sabe-se Deus se voltaria a abrir um dia. Crianças, idosos, mulheres, não importava. O local era o mesmo, eram vizinhos da desvalorização cotidiana. E ninguém parecia se importar com aquele Vietnã resumido a um corredor.
Apressei os passos, o que via me sufocava. Fui desencorajada, por um instante, de fazer algum uso do meu armamento. Mas acionei o gatilho – parecendo que atirava contra meu próprio peito – alcancei a porta que, antes mesmo que eu tocasse a maçaneta, abriu-se. Os generais transitavam de branco, competiam com os tons fantasmagóricos dos que saíam dali sem vida. Ouvi alguém sair no meu encalço. “Até logo”. “Até logo não, eu espero nunca mais voltar aqui”. Eu também esperava.
Achei que eu tinha uma coragem muito maior do que muitos que conviviam comigo. E me enganei. E me abati com tão pouco, na visão de alguns. Dos que convivem. Era um fluxo muito grande de gente que passava por ali. Que chegavam, saíam, ou não. Achei que nunca haveria de encarar uma guerra. A guerra de uma ala hospitalar. O confronto do atendimento médico oferecido ali. Atendimento público, condições desumanas. O calor que fazia lá fora, agora, parecia menos infernal do que aquele corredor que eu jamais vou esquecer.

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