terça-feira, 23 de março de 2010

Combinação imperfeita

Resolvi que precisava levantar daquela cama. O clima estava totalmente convidativo a permanecer por lá o resto do dia. Chovendo, trovejando a todo instante, um vento assoviando na janela do quarto. O abajur deixava o ambiente mais aconchegante e eu já passara da página 100 de um romance qualquer. Suspirei, eu tinha de ir.
Abri a porta do guarda roupa sem vontade alguma, peguei uma toalha limpa e seca e rumei até o banheiro. Abri o box translúcido e liguei o chuveiro. A água saiu pelando, totalmente quente, o que formava um vapor que me sufocava. Girei meu corpo 180° para desenhar no vidro embaçado. Comecei a escrever aquela letra de música que não saía da minha cabeça desde o início da semana. Enrolei por mais uns dez minutos, até tomar coragem para sair e enfrentar o friozinho. Corri até o quarto e tornei a abrir o guarda roupa.
Não poderia ter escolhido nada mais inconsciente do que aquela roupa. Já pronta, virei para me encarar no espelho. O arroxeado das olheiras de noites mal dormidas se apossava da região abaixo do meu globo ocular. O cabelo um dia já sedoso e comprido se desfazia em um emaranhado de fios dourados e embaraçado. Amenizei a situação com um pouco de maquiagem – o segredo de toda mulher. Mais uma vez, agora sem levar um susto tão grande, fitei minha imagem menos deplorável no que dizia meu reflexo. Mas a roupa. Essa roupa, justo essa. Era a mesma combinação que eu usava no dia em que o conheci. Casual, nada chique, não era roupa de sair. Mas ela estava marcada por um longo período como a “roupa de fevereiro”. Pestanejei por um segundo, mas não tinha mais o que fazer a não ser afastar aquele pensamento da mente. Eu já estava atrasada. Impaciente pelo elevador tomei fôlego e desci correndo a escadaria daquele antigo prédio. Cheguei ao térreo e abri a porta com grande esforço – não era possível que eu estivesse tão fraca assim. Alguns dias sem comer e dormir direito, sinais nítidos de depressão. Eu via aquela mesma rotina arrastando-se em minha direção como uma gosma pegajosa que me faria mal, muito mal. Era venenosa. Olhei para a portaria, na esperança de que ninguém me visse daquela forma.
Ele olhou-me nos olhos daquela mesma maneira profunda. Os olhos negros, combinando com seu cabelo desgrenhado da mesma tonalidade. O nariz adunco e a mesma camisa preta, calçava o mesmo tênis sujo. Era tão desengonçado. Uma figura exótica, que só poderia chamar a minha atenção, de qualquer forma. Percebi que tinha parado de andar, não estava seguindo a rota que montei mentalmente de sair correndo dali. Nos encaramos por um período, sem saber o que dizer. Vou mudar o nome da minha combinação de roupa para “roupa do azar”, apesar de bonita, era a segunda vez que a usava, e nas duas ocasiões me deparei com ele. Engoli seco. E adivinhando o que eu tinha em mente, quebrou o silêncio constrangedor.
- Eu estava te esperando. – foi o que conseguiu dizer, com aquele seu tom descontraído, tentando esconder o nervosismo evidente.

5 comentários:

  1. Primeira!!!!
    Gostei da historia...
    Escrever letras de musica no box eh o que ha!!!!

    eu naum escrevo no box, desenho.

    XD

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  2. ...and then?

    Caramba, Ana, fiquei curioso para saber o resto desta hEstória, hahaha.

    Enfim, não me agradou, por mais bacana e bem escrita que foi.

    A essência me trás um ar de falsidade no ar (não de ti, mas você sabe do que eu falo).

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  3. Talvez eu saiba, saudoso amigo.
    Mas essa história não passa de uma ficção... e sem final! Não quero dar um final para ela, fica a critério do leitor elaborar um desfecho! haha

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  4. A prosa foi muito bem produzida. Um desfecho no texto poderia ser desastroso. Começou e terminou de maneira serena, levando o leitor a não interromper sua leitura enquanto a última linha não preenchesse seus olhos. Estou muito feliz com seu desenvolvimento literário na prosa, Ana. Continue escrevendo sempre. É assim que a gente consegue escrever um pouquinho melhor do que o texto de outrora. Parabéns.

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