quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Segredo

Sete dias depois da virada do ano, e eu ainda tenho a cara de pau de aparecer por aqui. Espero que vocês tenham aproveitado aquele ritual de ano novo, que após 12 meses se repete, sempre. A casa cheia, os parentes, o chester no forno fazendo aquele típico aroma infestar toda a casa. Crianças gritando. O barulho de fogos de artíficio, a contagem regressiva na Globo. Tudo isso faz parte.
E também faz parte do meu bom senso postar algum texto novo aqui. Embora alguns engavetados do ano anterior ainda sejam postáveis, queria começar com algo escrito em 2010. Um texto que cabe como um desafio, mas acho que consegui fazê-lo. Ao menos o personagem ficou satisfeito com o resultado, então espero que tenham o mesmo aproveitamento.
O que ando ouvindo? Michael Bublé - recomendadíssimo.
E aí vai o nascer e padecer das figuras em cena:
Já o tinha visto tantas outras vezes perdido por aí. Não tinha nem como não ver, a cidade pequena do jeito que é. Com aquela voz imponente e jeito de durão, não tinha como não reparar. Mas era só. Até bela tarde, quando amigos em comum nos apresentaram.
- Sofia.
- Felipe, prazer!
É eu não tinha fantasiado. A voz era, realmente, muito singular. Saímos todos juntos, para um canto qualquer, passar o tempo. Eu era a única motorizada, e então, penalizada a dar carona para todos os marmanjos a bordo. Ele foi o último.
- Tirei carteira esses dias – falou.
- Ah é? – perguntei educadamente.
- Meu pai não deixa pegar o carro ainda, mas que droga! – e soltou uma risada de filme de terror. Inigualável.
- Quer dirigir? – indaguei - Adoro correr perigo!
O que ele tinha mesmo a perder? Minha vida não valeria muito. Trocamos de lugar, e passei a observá-lo na direção. Não tinha reparado como era bonito. Tal qual a voz, beleza única. Cabelos louros espalhafatosos, o olhar esperto, querendo dizer algo. Talvez a resposta estivesse dentro dos meus olhos, mas preferi passar o tempo conversando. Apesar da falta de humildade, ainda tínhamos a conversa que fluía.
Depois das voltas e voltas no centro, deixei-o e fui para casa, pensando naquela figura rara da tarde de sábado. Mas será? Quando o veria outra vez? A pergunta logo esgotaria o prazo de validade. Não demorou tanto assim para nos vermos de novo. Um mesmo sábado veio para nos trazer o que chamávamos de jogar conversa fora: saímos todos juntos de novo para encher a cara.
Eu não bebia tanto, mas minha diversão impagável era assistir aos meninos ficarem tortos. Eles precisariam de uma motorista mais tarde, por isso não abusava. E mesmo sem querer, me perguntava se o Felipe apareceria. Resposta que trouxe de brinde a presença dele. A atração substituía qualquer razão em mente, se era efeito do álcool, ou não, me inebriava com a aparência daquele rapaz. Impossível ter só 18 anos!
Mesmo sentado do outro lado da mesa, a troca de olhares era inevitável. Mas que diabos! Eu não cansava de olhar! E era inteligente também, apesar de nos conhecermos a tão pouco tempo, se mostrou bem superior intelectualmente. Mas não parecia o tipo que tomaria alguma atitude, alto como já estava. Ria de tudo. Falava de política, de literatura. Sentia que precisava fazer algo, e rápido. Afinal, os ponteiros no relógio corriam para a despedida.
- Ei, vou pegar o carro e estacionar mais perto. Vamos comigo? – arrisquei.
Mal terminei de concluir a frase, ele já estava posto ao meu lado. Fomos andando até dobrar a outra esquina, onde o meu automóvel se encontrava. Estava tremendo sem perceber. Seria o tom da voz? Que medo! Aconteceu rápido demais para minha percepção, quando vi, já estava em seus braços. O braço segurando firme minha cintura, a mão segurando minha cabeça, enquanto eu bagunçava ainda mais aqueles fios dourados. A natureza humana se manifestava na garagem escura a qual estávamos rentes à parede. Suas mãos seguraram-na firmemente, como se fosse cair sobre nós. Arquejei, me faltava o ar e palavras para explicar o que acontecera. Minha vontade era permanecer naquele abraço final, naquele momento de impulso, de ação sem princípios. Selei nosso segredo com um último beijo, e seguimos em frente.
Olhávamo-nos e sorríamos. Era vontade mútua? Eu tinha criado uma oportunidade, então? Quando chegamos à mesa, apesar de todos estarem em outra dimensão, questionaram – “Que é isso na sua boca, Sofia?” – toquei de leve com a ponta dos dedos, e reconheci a tonalidade mórbida – sangue! Sorri meio de lado, sem jeito, e sequei o ferimento com um guardanapo – típicos de botequim, aqueles que não absorvem nada. Se sugassem meu constrangimento, talvez fosse melhor. Dei conta de parar o sangue.
Encarei o causador do machucado. Ele sorria, com aquele mesmo sorriso encantador, seguido de uma risada diabólica. Esperava que isso significasse um machucado externo, não queria me envolver ao ponto de abrir um ferimento no meio do peito. Era tarde já, resolvemos partir. Dessa vez ele foi o primeiro. Em casa novamente, deitei na cama fitando o teto. Repassei a cena, várias e várias vezes, até compreender como chegamos até aquela porta de garagem. E agora, na dúvida, sonhava: Vou vê-lo outra vez?

4 comentários:

  1. Revelo-te meu segredo: te amo.

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  2. Olha, logo, logo, terei em mãos um livro teu!
    Tem talento e imaginação, adorei!
    Sabe, visito muitos blogs e são poucos que consigo ler até o fim. Aqui no teu espaço, simplesmente quero ver o fim! Outro dia fiquei algumas horas lendo o teu arquivo.

    abçs
    Nice

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