terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Misantropia

E então ela compreendeu, naquele lapso de ânsia momentânea, que toda a raiva tinha fundamento. Percebeu que as sombras existentes na falta de iluminação serviam como aviso prévio da lama a qual foi arremessada. A mesma que agora afundava, lentamente, sem a esperança de um socorro.
A angústia calava o sofrimento, mas não encerrava suas lágrimas. A pontada no peito era superior às melhores lembranças guardadas cuidadosamente na caixa da memória. A decepção corria pelas veias no zumbido de fórmula um, e era um sentimento incurável. O mal de toda a humanidade, afora a preguiça a qual ela acreditava piamente agora se chamava traição – das piores. Não era um tema de novela que a mocinha pega o namorado com a melhor amiga. Era imensamente pior.
A falta de fala fez vítima dois reles mortais, buscando na integridade física manter a postura que tinham desenvolvido por tanto tempo: ela, centrada, sensata e responsável. Enquanto ele, no auge dos dez anos mentais, horrorizava qualquer criança de tal idade com comportamento tão inócuo.
Já era tarde, e o assunto prosseguia progressivamente para o lado ruim. Ela tinha prometido para si mesma manter a calma e respirar fundo, já tinha passado aquela situação havia tempo. Mas ela mal soube responder por que havia ressuscitado tantos sentimentos de uma só vez. Ele, como era de se esperar, mal soube responder à gravidade que provinha de suas próprias mãos. “Você está certa”, foi a única coisa que pode afirmar com sensatez. De resto, ela fechava os olhos para não ter de presenciar. Não existia desculpa à altura, não era digno.
Omitir o que a fazia sangrar a todo custo não era cumprir papel de irmão. A lealdade extinta, o sofrimento a mostra. Ele sabia muito bem, desde o início, que omitir os fatos não os alterava, mas conduzir as informações para o caminho sem se comprometer com alguma parte era um mínimo realizável. Se o mal da humanidade, ou a falta de coragem fizeram a cabeça do garoto, ela não saberia dizer. Ela que o vira crescer, e acreditava na moralidade da falta de discurso do próprio irmão.
Em pratos limpos, mesmo que a história já esteja no passado, é memorável, para não dizer gravada à ferro e fogo na própria pele. O couro cozinhando não era o dele, o buraco que não se podia estancar o sangue do lado esquerdo do peito também não o pertencia. Aquele futuro a qual ele submeteu-se a brincar não faria parte de sua história vivenciada, apenas lembranças de algo não feito.
Somente palavras eram o suficiente, mas nem estas foram proferidas. Somente bom senso faria a diferença, mas este não se fez presente. Somente reviver a história em outro personagem a faria esquecer tudo o que tinha passado, mas isso não viria a acontecer.

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