quinta-feira, 13 de maio de 2010

E você é?

Era tarde da noite já, ela estava desiludida demais para continuar em casa. Saiu às pressas antes que alguém da casa acordasse – tinha esquecido até que morava sozinha desde o início do ano. Condenava o fumo, achava-o ridículo até, mas inexplicavelmente precisava dar um trago. Dirigiu-se até a loja de conveniência mais próxima – a que estava aberta – e pediu um maço do cigarro mais barato, juntamente com um isqueiro verde – cor da esperança que lhe faltava. Enquanto o atendente obedecia fielmente às suas ordens, ela abaixou-se para amarrar o all star desbotado.
Pagou e deu o fora dali, precisava espairecer urgentemente. Buscou em vão por estrelas que ilustrassem aquela noite tenebrosa, decepcionando-se mais uma vez em não ser atendida. Será que era tudo culpa dela? Não se encaixava em lugar algum. Não tinha um grupo de amigos fixo, não tinha uma convivência harmoniosa com os vizinhos, já não se identificava com a universidade e, pudera, não tinha perfil para doutrinas religiosas. Sentou-se ao meio fio, três quadras à frente da lojinha. A cidade estava terrivelmente parada. Domingo à noite, sabe como é, um tédio. Todos em casa, assistindo ao final do Fantástico, quiçá Big Brother. E ela ali, sem chão, sem estrelas no céu, perdida completamente em pensamentos não fundamentados.
Olhou o cigarro na mão direita, encarou-o com nojo de si própria. Aquela cena não se encaixava. Era perigoso andar na rua àquele horário. Era perigoso fumar. Era perigoso beber. Tudo tinha um falso marketing que indicava perigo. Alguém já tinha avisado que era também perigoso tentar viver? Ninguém saía vivo dessa aventura, esse decoreba todos já sabiam bem. As músicas do mp3 já nem pareciam seleção dela. Ansiava por novidades que tardavam a chegar. Chorou. Extravasou o aperto no peito com as lágrimas insistentes em saltar daquele abismo. Tossiu, não estava acostumada com a fumaça e a nicotina. Resolveu que daria mais uma volta, daria um close na cidade que ninguém mais sonhava em ver: quieta, com uma beleza singular. Mal iluminada, mesmo assim, bela.
Foi até a praça da igreja central, sentou-se na gigantesca escadaria de mármore. Gélido. O vento começava a soprar anunciando a mudança de estação. Ela nunca tinha gostado do verão mesmo. Mas será que o outono combinaria com o estado de espírito incombinável que ela tinha consigo? Friccionou os dedos nas têmporas, como se sofresse de um mal que não era dela – a enxaqueca – quando o susto apoderou-se das emoções.
- Ahn... Olá.
Instintivamente ela deu um salto para trás, jogando uma das pernas à frente como se aquilo pudesse parar a figura que estava posta – enganou-se, não à frente, mas ao lado. Um indigente, desses moradores de ruas drogados e sem previsão de vida abundante. Esperava que este estivesse cheirando a cachaça barata, mas não. Forçou os olhos naquele breu para tentar decodificar a imagem que chamara a sua atenção. A barba um tanto quanto Marcelo Camelo, os cabelos até pra baixo da orelha formando cachos não uniformes. O olho não conseguia distinguir, mas pareciam castanhos. Grandes cílios. Riu da reação já esperada – os dentes surpreendentemente em perfeito estado.
- Oi. – disse, assumindo uma postura de poucos amigos.
- Posso me sentar?
Ela só se deu ao trabalho de olhar o degrau que dividiria com aquele estranho. Ele entendendo o silêncio como um “sim”, ocupou seu lado esquerdo na escada.
- Quer? – ofereceu asperamente um dos cigarros que completavam o maço.
- Não fumo. Obrigado.
- Não isso, não é? – disse sem pensar.
- Porque é que as pessoas julgam as outras pela aparência? Tenho cara de maconheiro, moça?
- Desculpe, não foi a intenção ofender.
- Me chamo Eloím. Você é?
- Gabriela.

4 comentários:

  1. Olá! Tudo bem? Vim me desculpar pela ausência, o tempo anda um pouco escasso. Belo texto, repleto do seu toque característico do início ao fim.

    Abraço!

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  2. Parabéns pela sensibilidade Ana ;)
    quando eu crescer quero ser igual você *.*

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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