domingo, 22 de abril de 2012

Porque dança, então, com a vida


Não a conhecia pessoalmente, só pela voz. Na locução do outro lado da linha, há pelo menos 20 km da cidade onde ela pousava desde que era moça. A origem não sabia direcionar, mas sabia que era bem humilde – riqueza, ela dizia, tinha encontrado agora nos braços da velhice. Na fala cantada ela encantava a quem fosse detrás do riso contido. Que embora reservado, irradiava uma alegria que fulminava na idade tenra. 70 anos. E tanto há para se viver, mesmo com a tosse aqui e acolá, embalada pelos cabelos grisalhos. Ou será que pintava as madeixas? Curtos, encaracolados, lisos? O que emoldurava a feição que minha imaginação insistia em detalhar?

A conversa poderia ter se dizimado em poucas perguntas, o interesse no assunto que tinha em mente e, então, um adeus. E até nunca mais. Mas quem era aquela senhorinha, que se dizia regateira, e com quem eu estabelecia um vínculo proeminente do que era para ser formal? Não dá para ser formal demais com dona Ivanir. Porque os anos não cessam a empatia de seu ser. Porque é de seres humanos assim que nos brecam a vida, e nos fazem querer viver enquanto o tempo ainda rega os passos. Quando é que o tempo acaba? Não sabia dizer. Por isso bailava.

Dançando pelos caminhos que trilhou na roça, ainda com o marido carrancudo pela idade que lhe tirava a vontade de continuar. Estava lá, pronta para mais uma dança. Valsa é muito chique para ela, que gosta mesmo é de um vanerão. “Sou velha, mas eu gosto de me divertir, viu?”. E quem há de duvidar? Com tanto pique que nem a doença toma coragem de acamá-la. Que nem a morte tem pressa de levá-la aos grandes salões do céu. E que Deus tenha o cuidado de preparar um par que saiba conduzi-la pela eternidade nos passos ensaiados da dança, seu principal remédio.

Porque o marido, apesar de meio século ao lado da inquietude da esposa, não gostava de sacudir o corpo e afastar as enfermidades. Me questionava: se a felicidade interminável me atingia de tão longe, pelo telefone, que dirá a gratidão de conviver com tal sorriso, hoje rodeado de experiência fincada no rosto, durante praticamente toda a vida? Eu sabia que o alô não era em vão, e que a simpatia não tardava em me atingir. Justo eu, que não gostaria de envelhecer. Olhar para a velhice agora é encarar a própria dona Ivanir, da voz de menina e sabedoria milenar nas frases que proferia a cada instante. Sem conhecer seus traços. E envelhecer não seria tão ruim se eu permanecesse com a juventude dela irrigada pelas rugas que avisavam o relógio: a alegria não tem hora para acontecer.

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